Histórias Extraordinárias - Cap. 3: O PARASITA Pág. 74 / 136

Pode infligir-me algo pior do que a perda de Agathe, do que a certeza de ser um mentiroso, um perjúrio, um homem que perdeu qualquer direito ao título de cavalheiro?

Pratt-Haldane foi a amabilidade personificada e ouviu a minha história com a máxima delicadeza possível. Mas só por atentar nas feições macilentas do seu rosto, na lentidão d~ olhar, no mobiliário carregado que guarnecia o seu escritório, senti muita dificuldade em dizer-lhe o que tinha vindo dar-lhe a conhecer.

Todo aquele ambiente era muito substancial, muito material.

E depois o que teria podido dizer eu próprio, ainda não há um mês, se um colega viesse contar-me uma história de possessão demoníaca?

Talvez tivesse mostrado menos paciência do que ele.

E, nesta circunstância, tomou nota do que eu lhe disse, perguntou-me que quantidade de chá bebia, quantas horas dormia, se estava sobrecarregado de trabalho, se sentia dores súbitas na cabeça, sonhos maus, zumbidos nos ouvidos, se via relâmpagos - tudo perguntas que me mostravam que ele apenas via nos meus sofrimentos congestão cerebral.

Em suma, despachou-me depois de ter debitado um bom número de banalidades acerca de exercícios ao ar livre e da necessidade de evitar toda e qualquer sobreexcitação nervosa.

Passou-me uma receita na qual apareciam o cloral e o bromuro. Fi-la numa bola e atirei-a para o regato.

Não, não encontrarei ajuda junto de nenhum ser humano.

Se consultar outros, poderá acontecer que se aconselhem e ver-me-ei encerrado num manicómio.

Tudo o que posso fazer é encher-me de coragem e rezar para que um homem honesto não fique abandonado.

15 de Abril. É a Primavera mais encantadora que alguma vez se viu. Tudo está verde, muito doce e muito belo!

Ah!, que contraste entre a natureza exterior e a minha alma, tão assolada pela dúvida e pelo terror.





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