O Bobo - Cap. 14: XIV - Amor e vingança Pág. 154 / 191

Apenas este pôs os pés no pavimento do cárcere, fez sinal aos dois homens de armas que se retirassem, e dirigiu-se ao preso. Cruzando as mãos sobre o peito e curvando a cabeça, disse com uma voz grossa e contrafeita:

Dominus salvationem nostratibus et caetera.

– Quem sois vós? Que me quereis? – perguntou o preso, que se afastara sumindo-se na escuridão do cárcere, onde não batia a luz dos fachos.

– O nobre conde de Trava mandou chamar ao Mosteiro de S. Salvador um sacerdote que absolvesse um homem que devia morrer breve. Recebi eu a mensagem e vim exercitar essa obra de caridade. Creio que sois vós que figurareis no auto. Ouvirei vossa confissão quando vos aprouver, meu irmão!

Isto disse o monge com tom solene e em voz alta, de modo que fosse ouvido dos dois homens de armas que se iam retirando. Aproximou-se ao mesmo tempo do cavaleiro e segurando-lhe o braço o conduziu para ao pé de uma das troneiras, por onde entrava o clarão baço das almenaras. A luz dos fachos tinha desaparecido.

O frade recuou o capuz e, mudando repentinamente o metal de voz grossa em aflautada, prosseguiu:

– Não me conheces, Egas? Não te lembras de Dom Bibas, do jogral galiardo, com quem brincavas na tua infância? Ingrato, que te esqueceste de mim.

– Chocarreiro, para que vens aparecer-me neste transe tremendo? – interrompeu o trovador. – Porque vens misturar a risada do maninelo com os derradeiros arrancos do moribundo?

– Venho salvar-te, homem! – replicou o bobo. – Rir-me?! O rir já não é para mim!





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