– Nem tu o podes, nem eu o quero – respondeu o cavaleiro. – Tens acaso força de quebrar estes ferros? Tenho eu que fazer da vida? O meu futuro acabou.
– Cavaleiro namorado, bem sei que tua dama é já de outrem! – insistiu o bobo. – Mas não achas uma ideia grande de que te alimentes ainda? Um destino a satisfazer? Um nobre feito a prosseguir? Também para mim, nesta vida risonha e folgada de bufão, houve uma hora de agonia e desesperação como a tua, e vivi! Vivi para vingar-me: para a vingança deves tu viver, se és um homem. Mal sabes que prazer é o responder com a injúria à injúria, com o martírio ao martírio! Olha: amanhã há um topar em cheio de escudos e lanças, há uma festa de sangue e matança, e o cavaleiro esforçado poderá pôr um joelho sobre os peitos do seu inimigo derrubado, e gritar-lhe aos ouvidos, apontando-lhe o punhal à garganta: «Sou eu que te mando aos infernos!» Oh, como será bom e consolador! Quisera ser forte e ser cavaleiro... Mas tu o és: tu, o abandonado, podes abrir a vala dos mortos entre o altar e o leito do noivado; converter em escárnio e mentira as bênçãos do sacerdote; ver a teus pés estorcendo-se moribundo o que assassinou a tua alma, e cuspir-lhe nas faces demudadas, e rir... desesperá-lo com o teu rir... É tudo isto o que há para ti na vida, se fugires. Se ficares, ao romper de alva subirás a uma das torres deste castelo para aí assistires mudo e quedo às façanhas do teu rival; mudo e quedo pendurado de uma corda do alto das ameias, como um judeu vil, como um feiticeiro maldito...
– Oh, não digas mais! – interrompeu o cavaleiro como embriagado e frenético pelo horror e pela vingança que respiravam as palavras, o gesto, o olhar de Dom Bibas. – Não digas mais! Tens razão, o vingar-se é o prazer supremo de um réprobo! Não aceitei dela a liberdade: aceitá-la-ei de ti... Depois... depois, Deus se compadeça de mim.