Océu oriental começava a dourar-se com os primeiros raios de sol que surgiam na vermelhidão da madrugada. Alumiando com serena e ainda frouxa claridade o burgo assentado na baixa, iam reflectir-se trémulos no orvalho pendurado nas folhinhas da relva pelas veigas circunvizinhas; e batendo de soslaio nas muralhas e torres do castelo tingiam as pedras alvas e lisas de cor pálida. Era um alvorecer de manhã de estio no Minho, tão suave, tão poético e pinturesco, que talvez por isso aí colocaram os antigos pagãos o Letes, esse rio cujas águas faziam esquecer as penas e os deleites da vida. Esta virtude, porém, do clima, este deleite que se encontra no aspecto daquelas lindas paisagens, no murmurar dos arroios perenes, nas sombras dos arvoredos frondentes e na risonha verdura dos prados, não tinha podido fazer esquecer ao conde de Trava os riscos da sua situação. Atormentado pelos receios do desfecho da luta em que lhe era forçoso entrar, tinha-se revolvido toda a noite no seu leito, sem poder dormir, ora arrependendo-se de haver tratado tão duramente o moço Afonso Henriques, ora fervendo-lhe na alma desejos de vingança atroz contra o mancebo e contra os barões de Portugal, que sucessivamente se declaravam pelo bando do infante. A ideia de se ver cercado em Guimarães por aquele mesmo a quem meses antes fazia esgotar até às fezes o cálix da humilhação acendia-lhe o orgulho e a cólera a ponto indizível. Então punha-se a calcular as probabilidades de uma batalha campal.