O Bobo - Cap. 6: VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão Pág. 57 / 191

Garcia saíra pela porta fatal do corredor escuro, que fora a perdição do bobo. Só ficara ali o cónego de Lamego, que parecia observar como os donzéis executavam as ordens do conde.

Estes, de feito, tinham posto mãos violentas no roliço vulto do respeitável Dom Bibas e, travando-lhe cada qual do seu braço, se assemelhavam a dois mastins pouco dispostos a largar a preia. O bufão com voz truncada de soluços acorreu-se então à ténue e última esperança que lhe restava.

– Assassinos malditos, deixai-me! – gritou ele dando um empuxão aos dois mancebos que levou após si. E, agarrando-se à garnacha de Martim Eicha com toda a ânsia do susto e da desesperação, começou uma ladainha de súplicas:

– Boníssimo e reverendíssimo senhor capelão-mor, que vossa virtuosa reverência valha a um miserável jogral, que a terra de ante vossos pés beija! É dos caridosos e de grande coração perdoar aos que os ofenderam. Eu tenho pecado contra vós. Peccavi! Estou contrito. Contritus sum! Pedi por mim, santíssimo e venerabilíssimo padre. Ninguém me incitou para dizer o que disse. Foi o diabo que me tentou. Abrenuntio!... Podeis asseverá-lo a meu ilustre senhor, o nobre conde de Trava!...

– Filho – respondeu Martim Eicha, fazendo um ademã entre hipócrita e de escárnio –, o castigo é muitas vezes caminho para o arrependimento. Resigna-te, meu filho. Se nisso não houvera vanglória, dir-te-ia que no sofrimento de injúrias podias aprender de mim a ser resignado.

Proferindo estas palavras, Martim Eicha alcançara soltar o vestido das mãos do bobo, e com um sorriso de vingança satisfeita, seguira os vestígios do conde.

Dom Bibas perdeu a derradeira esperança.





Os capítulos deste livro