suportador de trabalhos. Bifurquei-me resignadamente sobre o cilício do esfarrapado albardão, tomei na esquerda as impermeáveis rédeas de couro cru, e lancei o animalejo ao seu mais largo trote, que era um confortável e ameníssimo chouto, digno de fazer as delícias do meu respeitável e excêntrico amigo, o marquês do F.
Tinha a bossa, a paixão, a mania, a fúria de choutar aquele notável fidalgo — o último fidalgo homem de letras que deu esta terra. Mas adorava o chouto o nobre marquês. Conheci-o em Paris nos últimos tempos da sua vida, já octogenário ou perto disso: deixava a sua carruagem inglesa toda molas e confortos para ir passear num certo cabriolet de praça que ele tinha marcado pelo seco e duro movimento vertical com que sacudia a gente. Obrigou-me um dia a experimentá-lo: era admirável. Comunicava-se da velha horsa normanda aos varais, e dos varais à concha do carro, tão inteiro e tão sem diminuição, o chouto do execrável Babieca! Nunca vi coisa assim. O marquês achava-lhe propriedades tonipurgativas, eu classifiquei-o de violentíssimo drástico.
Foi um dos homens mais extraordinários e o português mais notável que tenho conhecido, aquele fidalgo.
Era feio como o pecado, elegante como um bugio, e as mulheres adoravam-no. Filho segundo, vivia de seus ordenados nas missões por que sempre andou, tratava-se grandiosamente, e legou valores consideráveis por sua morte. Imprimia uma obra sua, mandava tirar um único exemplar, guardava-o e desmanchava as formas... — Não acabo se começo a contar histórias do marquês do F.
Piquemos para o Cartaxo, que são horas.