A majestade sombria e solene de um bosque antigo e copado, o silêncio e escuridão de suas moitas mais fechadas, o abrigo solitário de suas clareiras, tudo é grandioso, sublime, inspirador de elevados pensamentos. Medita-se ali por força; isola-se a alma dos sentidos pelo suave adormecimento em que eles caem... e Deus, a eternidade — as primitivas e inatas ideias do homem — ficam únicas no seu pensamento...
É assim. Mas um rochedo em que me eu sente ao pôr do Sol na gandra erma e selvagem, vestida apenas de pastio bravo, baixo e tosquiado rente pela boca do gado — diz-me coisas da terra e do céu que nenhum outro espectáculo me diz na natureza. Há um vago, um indeciso, um vaporoso naquele quadro que não tem nenhum outro.
Não é o sublime da montanha, nem o augusto do bosque, nem o ameno do vale. Não há aí nada que se determine bem, que se possa definir positivamente. Há a solidão que é uma ideia negativa...
Eu amo a charneca.
E não sou romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser — ao menos, o que na algaravia de hoje se entende por essa palavra.
Ora a charneca dentre Cartaxo e Santarém, àquela hora que a passámos, começava a ter esse tom, e a achar-lhe eu esse encanto indefinível.
Sentia-me disposto a fazer versos... a quê? Não sei.
Felizmente que não estava só; e escapei de mais essa caturrice.
Mas foi como se os fizesse, os versos, como se os estivesse fazendo, porque me deixei cair num verdadeiro estado poético de distracção, de mudez — cessou-me a vida toda de relação, e não sentia existir senão por dentro.
De repente acordou-me do letargo uma voz que bradou: — «Foi aqui!... aqui é que foi, não há dúvida.»
— «Foi aqui o quê?»
— «A última revista do imperador.»
— «A última revista! Como assim a última revista! Quando? Pois?...»
Então caí completamente em mim, e recordei-me, com amargura e desconsolação, dos tremendos sacrifícios a que foi condenada esta geração, Deus sabe para quê — Deus sabe se para expiar as faltas de nossos passados, se para comprar a felicidade de nossos vindouros...