O corregedor acordara com o grande rebuliço que ia na casa, e perguntou à esposa, que ele supunha também desperta na câmara imediata, que bulha era aquela. Como ninguém lhe respondesse, sacudiu freneticamente a campainha, e berrou ao mesmo tempo, aterrado pela hipótese de incêndio na casa. Quando D. Rita acudiu, já ele estava enfiando os calções às avessas.
– Que estrondo é este? Quem é que grita? – exclamou Domingos Botelho.
– Quem grita mais é o senhor – respondeu D. Rita.
– Sou eu?! Mas quem é que chora?
– São suas filhas.
– E porquê? Diga numa palavra.
– Pois sim, direi: o Simão matou um homem.
– Em Coimbra?… E fazem tanta bulha por isso!
– Não foi em Coimbra, foi em Viseu – tornou D. Rita.
– A senhora manga comigo?! Pois o rapaz está em Coimbra, e mata em Viseu! Aí está um caso para que as Ordenações do Reino não providenciaram.
– Parece que brinca, Meneses! Seu filho matou na madrugada de hoje Baltasar Coutinho, sobrinho de Tadeu de Albuquerque. Domingos Botelho mudou inteiramente de aspecto.
– Foi preso? – perguntou o corregedor.
– Está em casa do juiz de fora.
– Mande-me chamar o meirinho-geral. Sabe como foi e porque foi essa morte?… Mande-me chamar o meirinho, sem demora.
– Porque não se veste o senhor, e vai a casa do juiz?
– Que vou eu fazer a casa do juiz?
– Saber de seu filho como isto foi.
– Eu não sou pai: sou corregedor. Não me incumbe a mim interrogá-lo. Senhora D. Rita, eu não quero ouvir choradeiras; diga às meninas que se calem, ou que vão chorar no quintal.
O meirinho, chamado, relatou miudamente o que sabia, e disse ter-se verificado que o amor à filha do Albuquerque fora causa daquele desastre.
Domingos Botelho, ouvida a história, disse ao meirinho:
– O juiz de fora que cumpra as leis. Se ele não for rigoroso, eu o obrigarei a sê-lo. Ausente o meirinho, disse D. Rita Preciosa ao marido:
– Que significa esse modo de falar de seu filho?