Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 2: PRIMEIRA PARTE – CORAÇÃO
CAPÍTULO I - SETE MULHERES Pág. 22 / 156

Vocês afinal acabam por se rirem francamente um do outro, e com o ridículo matam o amor.

- Vais tu comigo? - acudiu Cibrão, de golpe.

- Vou; mas, ainda assim, o que faço é aumentar com a minha ida os personagens da farsa. Como queres tu que a francesa me faça a língua do seu coração, se eu suponho que a sua vontade é dizer-te coisas que envergonham dois amantes na presença de terceira pessoa? E calculas tu quanto seria cómico estar eu entre ti e ela compondo para francês e traduzindo para português a linguagem intraduzível dos suspiros? Afinal rir-nos-íamos todos três. A minha opinião é que não vás. Inventa um pretexto, que dê em resultado uma outra entrevista, em que se dispense um longo prefácio de palestra e em que o silêncio seja necessário como recato e cautela. Não vás a sítios em que a natureza campestre te obrigue a discorrer acerca de flores e delícias das tardes estivas. Procura um encontro nas trevas, de modo que a tua inteligência de línguas fique também em trevas, dando- lhe tu em compensação as mais significativas provas da tua sensibilidade, sem alardo de espírito. Às frases responde suspirando. O je vous aime virá sempre a propósito. Aprende a conjugar bem o verbo aimer.

- Esse já eu sei.

- Já? Eu amo?

- J’aime.

- Eu amarei.

- J’aimerai.

- Bem. Je t’aimerai pour la vie, par toujours, éternellement. Entendes?

- Perfeitamente.

- O mais que pudesses dizer seria um pleonasmo. Cifra-te nisto. Adão amou Eva, sabendo dizer muito menos, se me não engana o juízo que eu formo da organização das línguas. Os irracionais também se amam sem diálogo, se não devemos chamar diálogo ao gorjeio dos passarinhos e aos bramidos da leoa sedenta de amor, quando o querido lhe ruge da vizinha selva.





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