- Excelente ocasião de acabar! exclamou Ega, entregando a carta a Carlos, depois de respirar o perfume do papel. Não vás, nem respondas... Ela parte para Sintra, tu para Santa Olávia, não vos vedes mais, e assim finda o romance. Finda como todas as coisas grandes, como o Império Romano, e como o Reno, por dispersão, insensivelmente...
- É o que eu vou fazer, disse Carlos, começando a calçar as luvas. Jesus! Que mulher maçadora!
- E que desavergonhada! Chamar a essas coisas «sacrifícios!...» Arrasta-te duas vezes por semana a casa da titi, regala-se lá de extravagancias, bebe champagne, fuma cigarretes, sobe ao sétimo céu, delira, e depois põe dolorosamente os olhos no chão, e chama a isso «sacrificios...» Só com um chicote!...
Carlos encolheu os ombros, com resignação, como se nas condessas de Gouvarinho, e no mundo, só houvesse incoerência e dolo.
- E que é isso que tu me tinhas a dizer?
Ega então tomou um ar grave. Escolheu lentamente na caixa uma cigarrete, abotoou devagar o jaquetão.
- Tu não tens visto o Dâmaso?
- Nunca mais me apareceu, disse Carlos. Creio que está amuado... Eu sempre que o encontro, aceno-lhe de longe amigavelmente com dois dedos...
- Devia ser antes com a bengala. O Dâmaso anda aí, por toda a parte, falando de ti e dessa senhora, tua amiga... A ti chama-te pulha, a ela pior ainda. É a velha história; diz que te apresentou, que te meteste de dentro, e como para essa senhora é uma questão de dinheiro, e tu és o mais rico, ela lhe passou o pé.. Vês daí a infamiazinha. E isto tagarelado pelo Grémio, pela Casa Havaneza, com detalhes torpes, envolvendo sempre a questão de dinheiro. Tudo isto é atroz. Trata de lhe pôr cobro.
Carlos, muito pálido, disse simplesmente:
- há de se fazer justiça.
Desceu, indignado. Aquela torpe insinuação sobre «dinheiro» parecia-lhe poder ser castigada só com a morte. E um instante mesmo, com a mão no fecho da portinhola do coupé, pensou em correr a casa do Datoaso, tomar um desforço brutal.