Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 391 / 630

Tinham chegado ao Price. Uma multidão de domingo, alegre e pasmada, apinhava-se até às últimas bancadas onde havia rapazes, em mangas de camisa, com litros de vinho; e eram grossas, fartas risadas, com os requebros do palhaço, rebocado de caio e vermelhão, que tocava nos pezinhos de uma voltigeuse e lambia os dedos, de olhos em alvo, num gosto de mel... Descansando na sela larga de xairel dourado, a criatura, magrinha e séria, com flores nas tranças, dava a volta devagar, ao passo de um cavalo branco, que mordia o freio, levado à mão por um estribeiro; e pela arena o palhaço lambão e néscio acompanhava-a, com as mãos ambas apertadas ao coração, numa súplica babosa, rebolando languidamente os quadris dentro das vastas pantalonas, picadas de lantejoulas. Um dos escudeiros, de calça listrada de ouro, empurrava-o, num arremedo de ciúmes; e o palhaço caía, estatelado, com um estouro de nádegas, entre os risos das crianças e os rantantans da charanga. O calor sufocava; e as fumaraças de charuto, subindo sem cessar, faziam uma neva onde tremiam as chamas largas do gaz. Carlos, incomodado, abalou.

- Espera ao menos para ver a mulher dos crocodilos! gritou ainda o Taveira.

- Não posso, cheira mal, morro!

Mas à porta, de repente, foi detido pelos braços abertos do Alencar, que chegava - com outro sujeito, velho e alto, de barbas brancas, todo vestido de luto. O poeta ficou pasmado de ver ali o de seu Carlos. Fazia-o no seu solar Santa de Olávia! Vira até nos papeis públicos...

- Não, disse Carlos, o avô é que foi ontem... Eu não me sinto ainda em disposição do ir comunicar com a natureza...

Alencar riu, levemente afogueado, com um brilho de genebra no olho cavo. Ao lado, grave, o ancião de barbas calçava as suas luvas pretas.

- Pois eu é o contrário! exclamava o poeta. Estou precisado de um banho de panteísmo! A bela natureza! O prado! O bosque!... De modo que talvez me mimoseie com Sintra, para a semana. Estão lá os Cohens, alugaram uma casita muito bonita, logo adiante do Victor...

Os Cohens! Carlos compreendeu então a fuga do Ega e a «sua saudade do verde.»





Os capítulos deste livro