Há quanto tempo estaria ele para ali a ver-me, a estudar-me no meu sonho acordado e sem defesa? Ter-me-ia sentido confuso, se, no relógio pendurado por sobre a moldura do espelho, mesmo à frente dos meus olhos, não tivesse notado que o ponteiro dos minutos, entretanto, mal tinha chegado a deslocar-se.
Ao todo, não podia ter estado na câmara mais que dois minutos. Quanto muito, três... Por isso, ele não podia estar a observar-me há mais do que uma mera fracção de minuto, graças a Deus. Mesmo assim, lamentei o que se passara.
Contudo, nada lhe dei a entender quando, levantando-me com todos os vagares (tinha que ser com todos os vagares), o cumprimentei com uma cordialidade sem falha.
Na atitude dele, havia alguma coisa de má vontade e, ao mesmo tempo, de atencioso. Chamava-se Burns. Saindo juntos da câmara, demos uma volta pelo navio. A plena luz do dia, o rosto dele parecia gasto, magro, consumido até, e com os olhos encovados. Por uma espécie de delicadeza, tentava não olhar com muita frequência para ele; os seus olhos, em compensação, conservavam-se bem colados ao meu rosto. Esverdeados, com uma expressão de quem está sempre à espera de que aconteça qualquer coisa.
Respondia com bastante prontidão às minhas perguntas, mas o meu ouvido parecia surpreender nas suas respostas urna entoação de má vontade. O segundo piloto, na companhia de mais três ou quatro homens da guarnição, estava ocupado à proa. O imediato disse-me o seu nome e eu saudei-o, de passagem, com um movimento de cabeça. Era muito novo ainda. Deu-me a impressão de ser ainda bastante infantil.
Quando voltámos a descer para a câmara, sentei-me num canto de um profundo sofá, em meio círculo, ou mais precisamente semi-oval, com almofadas de peluche vermelho, estendendo-se a toda a largura entre o extremo e a ré da câmara.
