A República - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 119 / 290

- É possível - perguntei - que a mesma coisa esteja simultaneamente imóvel e em movimento, na mesma das suas partes?

- De modo nenhum.

- Certifiquemo-nos de forma ainda mais precisa, a fim de que não surjam dúvidas à medida que avançamos. Se alguém pretendesse que um homem que só consegue mexer os braços e a cabeça está ao mesmo tempo imóvel e em movimento, julgo que pensaríamos que não devemos exprimir-nos assim, mas dizer que uma parte do seu corpo está im6vel a outra em movimento, não é verdade?

- É.

- E, se o nosso interlocutor levasse mais longe a brincadeira, dizendo, com subtileza, que o pião está completamente im6vel e em movimento quando gira, retido no mesmo sítio, pela ponta ou que sucedemos o mesmo com qualquer outro objecto que se movemos em círculo em torno de um ponto fixo, não admitiríamos estas alegações, porque não é nas mesmas partes que tais coisas estão em repouso e em movimento; diríamos que têm um eixo e uma circunferência, que relativamente ao eixo estão imóveis - visto que esse eixo não se inclina para nenhum dos lados - e que relativamente à circunferência se movem circularmente; mas quando o corpo em movimento inclina com ele a linha de eixo para a direita ou para a esquerda, para a frente ou para trás, então não há imobilidade sob nenhum aspecto.

- É exacto - disse ele.

- Portanto, não nos deixaremos perturbar por tais objecções, assim como não deixaremos que nos persuadam de que o mesmo sujeito, nas mesmas partes e relativamente ao mesmo objecto, experimenta ou produz ao mesmo tempo duas coisas contrárias.

- Quanto a mim, sem dúvida que não me deixarei persuadir.

- No entanto - prossegui -, a fim de não sermos obrigados a perder tempo analisando todas as objecções semelhantes e certificando-nos da sua falsidade; suponhamos o nosso princípio verdadeiro e sigamos em frente, depois de termos admitido que, se alguma vez ele se revelar falso, todas as consequências que daí tivermos tirado serão nulas.

- É isso mesmo - disse ele - o que se tem de fazer.

- Agora - prossegui -, admitirás que aprovar e desaprovar, desejar uma coisa e recusá-la, chamar a si e repelir, são contrários entre si, quer se trate de actos ou estados, porquanto isso não implica nenhuma diferença?

- Com certeza - respondeu - que são contrários.

- Ora, não situarás a sede, a fome, os apetites em geral e também o desejo e a vontade na primeira classe desses contrários que acabamos de mencionar?





Os capítulos deste livro