Por exemplo, não dirás que a alma daquele que deseja procura o objecto desejado ou atrai a si o que gostaria de ter ou ainda, na medida em que pretende que uma coisa lhe seja dada, responde a si mesma, como se alguém a interrogasse, que aprova essa coisa, devido ao desejo que tem de obtê-la?
- Sim, direi.
- Mas como? Não consentir, não querer, não desejar, são operações que classificaremos com as de repelir, afastar de si e todas as contrárias das precedentes, não é verdade?
- Sem dúvida.
- Posto isto, não diremos que existe uma classe dos desejos e que chamamos sede e fome aos mais evidentes?
- Sim, diremos - respondeu.
- Ora, uma é o desejo de beber e a outra o de comer.
- Claro!
- Agora, a sede, enquanto sede, é na alma o desejo de algo mais do que aquilo que acaba de ser dito? Por exemplo, é sede de bebida quente ou fria, em grande ou pequena quantidade, numa palavra, de uma certa espécie de bebida? Ou é o calor que, ao juntar-se à sede, provoca o desejo de beber frio, ou o frio o de beber quente, ao passo que a sede em si mesma é apenas o desejo do objecto consignado à sua natureza, a bebida, como a fome é o desejo de comida?
- Assim é - disse ele. - Cada desejo considerado em si mesmo não é senão desejo do objecto consignado à sua natureza, o que se lhe acrescenta corresponde a esta ou àquela qualidade desse objecto.
- E que não venham - continuei - perturbar-nos inopinadamente dizendo que ninguém deseja a bebida, mas a boa bebida, nem a comida, mas a boa comida, visto que todos os homens desejam as boas coisas; portanto, se a sede é desejo, é-o de uma boa coisa, seja essa coisa qual for, bebida ou outra, e o mesmo se passa com os outros desejos.
- Essa objecção - observou - parece ter certa importância.
- Mas, seguramente - repliquei -, todo o objecto relacionado com outros, considerado numa das suas qualidades, está, penso eu, relacionado com esse objecto; considerado em si mesmo, relacionado somente consigo mesmo.
- Não compreendo - confessou.
- Não compreendes - disse eu - que o que é maior o é somente em relação a outra coisa?
-Assim é.
- Ao que é mais pequeno?
- Sim.
- E o que é muito maior não o é senão em relação ao que é muito menor, não é verdade?
- É.
- E o que foi maior em relação ao que foi menor, o que será maior em relação ao que será menor?
- Certamente.