A República - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 156 / 290

Ao que Gláucon retorquiu:

- Nesse aspecto terás muitos estranhos filósofos, porquanto me parecem sê-lo todos os que apreciam os espectáculos, por causa do prazer que sentem em aprender; mas os mais bizarros a catalogar nessa classe são as pessoas ávidas de ouvir que, certamente, não assistiriam a uma discussão como a nossa, mas que, como se tivessem alugado os ouvidos para escutarem todos os coros, correm às festas dionisíacas, não faltam nem às das cidades nem às dos campos. Chamaremos filósofos a todos estes homens, tanto aos que demonstram entusiasmo em aprender semelhantes coisas como aos que estudam as artes inferiores?

- Por certo que são; essas pessoas assemelham-se simplesmente aos filósofos.

- Quais são então, a teu ver, os verdadeiros filósofos?

- Os que amam o espectáculo da verdade - respondi.

- Talvez tenhas razão - replicou. - Mas que entendes por isso?

- Não seria fácil de explicar a um outro; mas creio que estarás de acordo comigo nisto.

- Em quê?

- Visto que o belo é o oposto do feio, são duas coisas distintas.

- Como não?

- Mas, visto que são duas coisas distintas, cada uma delas é uma?

- Sim, é.

- Sucede o mesmo com o justo e o injusto, o bom e o mau e todas as outras formas: cada uma delas, tomada em si mesma, é una; mas, dado que entram em comunidade com acções, corpos e entre si mesmas, surgem e toda a parte e cada uma delas parece múltipla.

- Tens razão - disse ele.

- É neste sentido que distingo, por um lado, os que apreciam os espectáculos, as artes e são homens práticos; e, por outro, aqueles de que : trata no nosso discurso, os únicos a quem com razão se pode chamar filósofos.

- Em que sentido? - perguntou.

- Os primeiros - respondi -, cuja curiosidade está toda nos olhos e nos ouvidos, apreciam as belas vozes, as cores e as figuras belas e todas as obras em que entre alguma coisa de semelhante, mas a sua inteligência é incapaz de ver e apreciar a natureza do próprio belo.

- É assim mesmo.

- Mas os que são capazes de se erguer até ao próprio belo e de o ver na sua essência não são raros?

- Muito raros.

- Aquele que conhece as coisas belas, mas não conhece a beleza em si mesma e não pode seguir o guia que o poderia levar a esse conhecimento, parece-te que vive em sonho ou acordado? Atenta: sonhar não é, quer se durma ou se esteja acordado, tomar a aparência de uma coisa não por uma aparência, mas pela própria coisa?





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