A República - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 183 / 290

- Por Zeus, Sócrates - disse então Gláucon -, não te detenhas como se tivesses chegado ao fim; ficaremos satisfeitos se nos explicares a natureza do bem como explicaste a da justiça, da temperança e das outras virtudes.

- E também eu, camarada, ficaria plenamente satisfeito; mas receio ser incapaz disso e, se tiver coragem para o tentar, de ser escarnecido pela minha inépcia. Mas, bem-aventurados amigos, não nos ocupemos para já do que possa ser o bem em si mesmo - porquanto consegui-lo neste momento, tal como o vejo, ultrapassa, na minha opinião, o alcance do nosso esforço presente. Todavia, consinto em falar-vos do que me parece ser a produção do bem e que mais se lhe assemelha, se isso vos aprouver; caso contrário, mudemos de assunto.

- Continua a falar do filho - disse ele. - Pagarás a tua dívida noutra oportunidade, falando-nos do pai.

- Gostaria que estivesse na minha mão a possibilidade de vos pagar essa dívida e na vossa a de a receber e que não tivéssemos de nos contentar com os juros. Recebei, porém, este filho, esta produção do bem em si mesmo. Mas vigiai para que eu não vos engane involuntariamente, dando-vos um cômputo falso do juro.

- Vigiaremos tanto quanto nos for possível - replicou. - Limita-te a falar.

- Fá-lo-ei, mas depois de me ter posto de acordo convosco, lembrando-vos o que foi dito atrás e em vários outros encontros.

- O quê? - perguntou.

- Dizemos - respondi - que há múltiplas coisas belas, múltiplas coisas boas, etc., e distinguimo-las no discurso.

- Efectivamente, dizemos.

- E chamamos belo em si mesmo, bem em si mesmo, e assim por diante, ao ser real de cada uma das coisas que primeiramente considerávamos múltiplas, mas que em seguida catalogamos na sua ideia própria, postulando a unidade desta última.

-Assim é.

- E dizemos que umas são percebidas pela vista, e não pelo pensamento, mas que as ideias são pensamentos e não são visitas.

- Perfeitamente.

- Ora, por que parte de nós mesmos percebemos as coisas visíveis?

- Pela vista.

- Assim, apreendemos os sons pelo ouvido e, pelos outros sentidos, todas as coisas sensíveis, não é verdade?

- Sem dúvida.

- Mas notaste quanto o artífice dos nossos sentidos se esforçou para modelar a faculdade de ver e ser visto? - Não precisamente.





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