A República - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 187 / 290

- Pois bem! Expliquemo-nos melhor; compreenderás, sem dúvida, mais facilmente depois de ouvires o que vou dizer. Sabes, julgo eu, que aqueles que se dedicam à geometria, à aritmética ou às ciências desta natureza pressupõem o par e o ímpar, as figuras, três espécies de ângulos e outras coisas da mesma família para cada pesquisa diferente; que, tendo pressuposto estas coisas como se as conhecessem, não se dignam dar razão nem a si mesmos nem aos outros, considerando que elas são claras para todos; que, finalmente, a partir daí, deduzem o que se segue e acabam por alcançar, de forma consequente, o objecto que a sua investigação visava.

- Sei isso perfeitamente - disse ele.

- Sabes então que eles se servem de figuras visíveis e raciocinam sobre

elas pensando não nessas mesmas figuras, mas nos originais que elas reproduzem; os seus raciocínios apoiam-se no quadrado em si mesmo e na diagonal em si mesma, e não na diagonal que traçam, e assim por diante; das coisas que modelam ou desenham, e que têm as suas sombras e os seus reflexos nas águas, servem-se como de tantas outras imagens para procurarem ver essas coisas em si mesmas, que, de outro modo, só podem ser vistas pelo pensamento.

- É verdade.

- Por conseguinte, dizia eu que os objectos deste género são do domínio do inteligível, mas que, para conseguir conhecê-los, a alma é obrigada a recorrer a hipóteses: não deriva então para um princípio - visto que não pode ir além das hipóteses -, mas emprega, como outras tantas imagens, os originais do mundo visível, que têm as suas cópias na secção inferior e que, em relação a essas cópias, são tidos e considerados como claros e distintos.

- Compreendo que o que dizes se aplica à geometria e às artes da mesma família.

- Compreende agora que entendo por segunda divisão do mundo inteligível aquela que a razão alcança pelo poder da dialéctica, admitindo hipóteses que não considera como princípios, mas realmente como hipóteses, isto é, pontos de partida e trampolins para se elevar até ao princípio universal que já não pressupõe condições; uma vez apreendido este princípio, ela liga-se a todas as consequências que dela dependem e chega assim à conclusão sem recorrer a nenhum dado sensível, mas unicamente às ideias, de que deriva e para que tende.





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