A República - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 191 / 290

- E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser simplesmente um criado de charrua, ao serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, de preferência a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

- Sou da tua opinião - disse ele. - Preferirá sofrer tudo, a ter de viver dessa maneira.

- Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao sair bruscamente do sol?

- Por certo que sim - disse ele.

- E, se tiver de entrar de novo em competição, para julgar essas sombras, com os prisioneiros que não se libertaram das suas cadeias, no momento em que a sua vista está ainda confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto (a habituação à escuridão exigirá um tempo bastante longo), não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E, se alguém tentar libertá-los e conduzi-los para o alto e se eles puderem deitar-lhe as mãos e matá-lo; não o matarão?

- Sem sombra de dúvida - respondeu.

- Agora, meu caro Gláucon - prossegui -, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás, comparar o mundo que nos descobre a vista com a vida da prisão e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objectos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela: é a causa de tudo o que de recto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida privada e na vida pública.





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