A República - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 199 / 290

- Aí está o que eu queria fazer compreender há pouco, quando dizia que certos objectos convidam a alma à reflexão e outros não a convidam, distinguindo como aptos a convidá-la os que originam simultaneamente duas sensações contrárias e os que não as originam como incapazes de despertar a inteligência.

- Agora compreendo - disse ele - e sou da tua opinião.

- E o número e a unidade, em que classe os incluis?

- Não sei - respondeu.

- Pois bem! Julga pelo que acabamos de dizer. Se a unidade é apreendida em si mesma, de maneira satisfatória, pela vista ou por qualquer outro sentido, não atrairá a nossa alma para a essência, tal como o dedo de que falávamos há pouco; mas se a vista da unidade oferece sempre uma certa contradição, de modo que não pareça mais unidade do que multiplicidade, então será preciso um juiz para decidir; a alma fica forçosamente embaraçada e, despertando em si mesma o entendimento, é constrangida a fazer pesquisas e a perguntar o que vem a ser a unidade; é assim que a percepção da unidade é das que conduzem e orientam a alma para a contemplação do ser.

- É certo - disse ele - que a vista da unidade possui esse poder em altíssimo grau, porquanto nós vemos a mesma coisa ao mesmo tempo una e múltipla até ao infinito.

- E, se é assim para a unidade - continuei -, passa-se o mesmo com todos os números?

- Sem dúvida.

- Ora, a logística e a aritmética incidem inteiramente sobre o número?

- Com certeza.

- São, por conseguinte, ciências aptas a conduzir à verdade.

- Sim, eminentemente aptas.

- Portanto, parece que são daquelas que procuramos, dado que o seu estudo é necessário ao guerreiro para dispor um exército e ao filósofo para sair da esfera da transformação e alcançar a essência, sem o que nunca seria aritmético.

- É verdade - disse ele.

- Mas o nosso guarda é ao mesmo tempo guerreiro e filósofo?

- Sem dúvida.

- Conviria, portanto, Gláucon, impor este estudo por uma lei e persuadir os que têm de desempenhar altas funções públicas a dedicarem-se à ciência do cálculo, não superficialmente, mas até chegarem, pela pura inteligência, ao conhecimento da natureza dos números; e a cultivar esta ciência não para a aplicar às vendas e às compras, como os negociantes e os mercadores, mas à guerra, e para facilitar a conversão da alma do mundo da geração para a verdade da essência.

- Muito bem dito.





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