A República - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 241 / 290

- Na verdade, segundo o que dizes, é bem-aventurada a condição do tirano, se fizer de tais homens amigos e confidentes, depois de ter feito morrer os primeiros!

-. E, no entanto, não poderia fazer outros.

- Portanto, esses camaradas admiram-no e os novos cidadãos vivem na sua companhia. Mas a gente honrada odeia-o e evita-o, não é assim?

- Ah! Como pode agir de outro modo?

- Não é sem razão que a tragédia passa, geralmente, por ser uma arte de sabedoria e Eurípides por um mestre extraordinário nesta arte.

- Porquê?

- Porque enunciou esta máxima de sentido profundo, a saber

«que os tiranos se tornam hábeis pela convivência com os hábeis»;

e entendia-se, evidentemente, por hábeis os que vivem na companhia do tirano.

- Também louva - acrescentou ele - a tirania como divina e tece-lhe muitos outros elogios, ele e os outros poetas.

- Assim, enquanto indivíduos hábeis, os poetas trágicos perdoar-nos-ão, a nós e àqueles cujo governo se aproxima do nosso, por não os admitirmos no nosso Estado, visto que são os cantores da tirania.

- Julgo - disse ele - que nos perdoarão, pelo menos os que têm espírito.

- Eles podem, creio eu, percorrer as outras cidades, reunir as multidões e, contratando vozes belas, potentes e insinuantes, arrastar os governos para a democracia e a tirania.

- Com certeza.

- Tanto mais que são pagos e cumulados de honras para isso, em primeiro lugar pelos tiranos, em segundo lugar pelas democracias; mas, à medida que sobem a encosta das constituições, a sua fama enfraquece, como se a falta de fôlego a impedisse de avançar.

- É exacto.

- Mas - retorqui - afastámo-nos do assunto. Voltemos ao exército do tirano, essa tropa excelente, numerosa, diversa e sempre renovada, e vejamos como é mantido.

- É evidente - disse ele - que, se a cidade possuir tesouros sagrados, o tirano servir-se-á deles e, enquanto o produto da sua venda bastar, não imporá ao povo tributos demasiado pesados.

- Mas quando lhe faltarem esses recursos?

- Então é evidente que viverá dos bens do seu pai, ele, os seus comensais, os seus favoritos e as suas amantes.

- Compreendo - disse eu -: o povo que deu origem ao tirano alimentá-lo-á, a ele e à sua comitiva.

- Não terá outro remédio.





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