A República - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 261 / 290

- Junta essas três formas numa só, de modo que, umas com as outras, façam um único todo.

- Estão juntas.

- Finalmente, recobre-as exteriormente da forma de um único ser, a forma humana, de maneira que, aos olhos de alguém que não possa ver o interior e só veja o invólucro, o conjunto pareça um único ser, um homem.

- Está recoberto.

- Digamos agora àquele que pretende que é vantajoso para este homem ser injusto, e que não lhe serve de nada praticar a justiça, que isso equivale a pretender que é vantajoso para ele alimentar com cuidado, por um lado, o animal multiforme, o leão e a sua comitiva, e fortificá-los, e, por outro, reduzir à fome e debilitar o homem, de modo que os outros dois o possam arrastar para onde quiserem; e, em vez de os habituar a viverem juntos em boa harmonia, deixá-los baterem-se, morderem-se e devorarem-se uns aos outros.

- Efectivamente, o panegirista da injustiça defende tudo isso.

- E, reciprocamente, afirmar que é útil ser justo não é defender que é preciso fazer e dizer o que dará ao homem interior a maior autoridade possível sobre o homem na sua totalidade e lhe permitirá velar pela cria policéfala à maneira do agricultor, que alimenta e domestica as espécies pacíficas e impede as selvagens de aumentar; criá-lo assim com a ajuda do leão e, dividindo os seus cuidados por todos, mantê-los em boa harmonia entre eles e consigo mesmo?

- É isso mesmo o que defende o partidário da justiça.

- Assim, de qualquer maneira, aquele que faz o elogio da justiça tem razão e o que louva a injustiça está errado. Com efeito, em relação ao prazer, à boa reputação ou à utilidade, o que louva a justiça fala verdade e o que a censura não diz nada de são e nem sequer sabe o que censura.

- Não o sabe de modo nenhum, parece-me - disse ele.

- Tentemos então desenganá-lo afavelmente, dado que o seu erro é involuntário, e perguntemos-lhe: Bem-aventurado homem, não podemos dizer que a distinção habitual do honesto e do desonesto tira a sua origem do seguinte: por um lado, o honesto é o que submete ao homem, ou, antes, talvez, o que submete ao elemento divino o elemento bestial da nossa natureza, e, por outro, o desonesto é o que escraviza o elemento pacífico ao elemento selvagem. Estará de acordo? Caso contrário, que responderá?

- Estará de acordo, se quiser fiar-se em mim.





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