A República - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 279 / 290

- Sem dúvida que ninguém - observou - conseguirá provar-nos que as almas dos moribundos se tornam mais injustas por causa da morte.

- E, se alguém - continuei - ousasse combater o nosso raciocínio e pretender, a fim de não ser forçado a reconhecer a imortalidade da alma, que o moribundo se torna pior e mais ímpio, concluiríamos que, se fala verdade, a injustiça é mortal, como a doença, para o homem que a tem dentro de si, e que é deste mal, mortífero por natureza, que morrem os que o recebem, os mais injustos mais cedo, os menos injustos mais tarde, ao passo que a cause real da morte dos maus é o castigo que se lhes inflige pela sua injustiça.

- Por Zeus! - exclamou. - A injustiça não pareceria tão terrível se fosse mortal pare o que a recebe dentro de si - dado que seria uma libertação do mal; antes penso que se descobrirá, pelo contrário, que ela mata os outros, tanto quanto está em seu poder, mas dote de muita vitalidade e vigilância o homem que a tem dentro de si, de tal modo está longe de ser uma causa de morte.

- Dizes bem; com efeito, se a perversidade própria da alma, se o seu próprio mal, não a pode manter nem destruir, um mal destinado à destruição de uma coisa diferente levará muito tempo a destruir a alma ou qualquer outro objecto que não seja aquele a que está ligado!

- Sim, creio que levará muito tempo!

- Mas, quando não há um único mal, próprio ou estranho, que possa

destruir uma coisa, é evidente que essa coisa deve existir sempre; e, se existe sempre, é imortal.

Necessariamente - disse ele.

- Consideremos isto provado; mas, se assim é, concebes que são sempre as mesmas almas que existem, dado que o seu número não pode nem diminuir, visto que nenhuma morre, nem, por outro lado, aumentar; com efeito, se o número dos seres imortais viesse a aumentar, sabes que aumentaria com o que é mortal e, por último, tudo seria imortal.

- Tens razão.

- Mas - prossegui - não acreditaremos nisso - a razão não no-lo

permite - nem também que, na sue natureza essencial, a alma esteja cheia de diversidade, de dissemelhança e de diferença consigo mesma.

- Que queres dizer? - perguntou.

- É difícil que seja eterno - como acabamos de ver para a alma - um

composto de várias partes, se essas partes não formarem um conjunto perfeito.

- Efectivamente, não é verosímel.





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