A República - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 284 / 290

Por determinado número de injustiças que tinha cometido em detrimento de uma pessoa e por determinado número de pessoas em detrimento das quais tinha cometido a injustiça, cada alma recebia, para cada falta, dez vezes a sua punição e cada punição durava cem anos - isto é, a duração da vida humana -, a fim de que a expiação fosse o décuplo do crime. Por exemplo, os que tinham causado a morte de muitas pessoas - seja traindo cidades ou exércitos, seja reduzindo homens à escravatura, seja prestando apoio a qualquer outra malvadez - eram atormentados dez vezes mais por cada um desses crimes. Os que, pelo contrário, tinham praticado o bem à sua volta, tinham sido justos e piedosos, obtinham, na mesma proporção, a recompensa merecida. A respeito das crianças mortas na infância ou que viveram apenas alguns dias, Er dava outros pormenores, que não merece a pena referir. Para a impiedade e a piedade em relação aos deuses e aos pais e para o homicídio, havia, segundo ele, castigos e recompensas ainda maiores.

»Com efeito, estava presente, dizia ele, quando uma alma perguntou a outra onde estava Ardieu, o Grande. Este Ardieu tinha sido tirano de uma cidade de Panfília mil anos antes dessa época; tinha matado o seu velho pai, o irmão primogénito e cometido, dizia-se, muitas outras acções sacrílegas. Ora a alma interrogada respondeu: «Não veio, não virá nunca a este lugar. Porque, entre outros espectáculos horríveis, vimos este. Quando estávamos perto da abertura e prestes a subir, depois de termos sofrido as nossas penas, vimos subitamente esse Ardieu com outros - a maior parte eram tiranos como ele, mas havia também particulares que se tinham tornado culpados de grandes crimes; julgavam poder subir, mas a abertura recusou-lhes a passagem e mugia sempre que tentava sair um desses homens que se tinham irremediavelmente consagrado ao mal ou que não tinham expiado o suficiente. Então, dizia ele, seres selvagens, de corpo em chamas, que estavam ali perto, ouvindo o mugido, agarraram alguns e levaram-nos; quanto a Ardieu e aos outros, depois de lhes terem ligado as mãos, os pés e a cabeça, derrubaram-nos, esfolaram-nos, depois arrastaram-nos para a berma do caminho e fizeram-nos dobrar sobre giestas espinhosas declarando a todos os que passavam por que motivo os tratavam assim e que iam precipitá-los no Tártaro.» Nesse lugar, acrescentava, tinham sentido muitos terrores de toda a espécie, mas este sobrepunha-se a todos: cada um temia que o mugido se fizesse ouvir no momento em que deveria subir e foi para eles uma viva alegria poderem subir sem que ele rompesse o silêncio. Tais eram, mais ou menos, as penas e os castigos, assim como as recompensas correspondentes.





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