A República - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 54 / 290

»Isto, Sócrates, e talvez mais, Trasímaco ou qualquer outro poderia dizê-lo acerca da justiça e da injustiça, invertendo os seus poderes respectivos de modo deplorável, parece-me. Quanto a mim - pois não quero esconder-te nada -, foi com o desejo de te ouvir sustentar a tese contrária que apliquei, tanto quanto possível, todas as minhas forças neste discurso. Portanto, não te limites a provar-nos que a justiça é mais forte que a injustiça; mostra-nos os efeitos que cada uma produz por si mesma na alma onde se encontra e que fazem que uma seja um bem, a outra um mal. Põe de lado as reputações que nos proporcionam, como te aconselhou Gláucon. Se, com efeito, não puseres de parte, de um e outro lado, as verdadeiras reputações e lhes acrescentares as falsas, diremos que não louvas a justiça, mas a aparência, que não censuras a injustiça, mas a aparência, que recomendas ao homem injusto que se esconda e que aceitas, com Trasímaco, que a justiça é um bem estranho, vantajoso ao mais forte, ao passo que a injustiça é útil e vantajosa a si mesma, mas prejudicial ao mais fraco.

»Visto que reconheceste que a justiça pertence à classe dos maiores bens, os que merecem ser procurados pelas suas consequências e muito mais por eles mesmos, como a vista, o ouvido, a razão, a saúde e todas as coisas que são verdadeiros bens, pela sua natureza e não segundo a opinião, louva, portanto, na justiça o que ela tem em si mesma de vantajoso para aquele que a possui e censura na injustiça o que ela tem de prejudicial; quanto às recompensas e à reputação, deixa que outros as louvem. Quanto a mim, aceitaria que outro louvasse a justiça e censurasse a injustiça desta maneira, fazendo elogios e censuras relativamente à reputação e às recompensas que proporcionam, mas não aceitarei que tu o faças, a não ser que mo ordenes, visto que passaste toda a tua vida a examinar esta única questão. Portanto, não te contentes em provar-nos que a justiça é mais forte que a injustiça, mas demonstra-nos também, pelos efeitos que cada uma delas produz no seu possuidor, ignorada ou não pelos deuses e pelos homens, que uma é um bem e a outra um mal.

Sempre admirara o carácter de Gláucon e Adimanto, mas nesta circunstância senti um prazer extremo em escutá-los e disse-lhes:

- Não era sem razão, ó filhos de tal pai, que o amante de Gláucon começava nestes termos a elegia que vos dedicou, quando vos distinguistes na batalha de Mégara:

Filhos de Aríston, divina raça de um homem ilustre.





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