A República - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 61 / 290

- Ainda não chegou a altura de dizer - continuei - se a guerra tem bons ou maus resultados; notemos somente que descobrimos a origem da guerra nessa paixão que é, no mais alto grau, geradora de males privados e públicos nas cidades, quando nela aparece.

- Perfeitamente.

- Então, meu amigo, a cidade tem de ser ainda mais aumentada e não é uma pequena adição que é preciso fazer, mas a de todo um exército que possa entrar em campanha para defender todos os bens de que falámos e dar luta aos invasores.

- Mas como? - inquiriu. - Os cidadãos não o podem fazer?

- Não - respondi -, se tu e todos nós reconhecemos um princípio justo, quando fundámos a cidade; ora, nós reconhecemos, se bem te lembras, que é impossível a um único homem exercer convenientemente vários ofícios.

- Tens razão - concordou.

- Mas como? - retorqui. - Não achas que os exercícios guerreiros dependem de uma técnica?

- Sim, com certeza - disse ele.

- Ora, deve-se usar de maior solicitude para com a arte do calçado do que para com a arte da guerra? - De modo nenhum.

- Mas nós proibimos o sapateiro de exercer ao mesmo tempo o ofício de lavrador, tecelão ou pedreiro; reduzimo-lo a ser unicamente sapateiro, a fim de que os trabalhos de sapataria sejam bem executados; de igual modo, atribuímos a cada um dos outros artesãos um único ofício, aquele para o qual está apto por natureza, se quer tirar proveito das oportunidades a desempenhar bem a sua tarefa. Mas não é da mais alta importância que o ofício da guerra seja bem praticado? Ou é fácil que um lavrador, um sapateiro ou qualquer outro artesão possa, ao mesmo tempo, ser guerreiro, quando não se pode ser bom jogador de gamão ou de dados se não se praticarem estes jogos desde a infância, e não nas horas livres? Bastará munir-se de um escudo ou de qualquer outra das armas e instrumentos de guerra para se tornar, de um dia para o outro, bom antagonista num recontro de hoplitas ou em qualquer outro combate, ao passo que os instrumentos das outras artes, tomados nas mãos, nunca farão um artesão nem um atleta e serão inúteis a quem não tiver adquirido a sua ciência e não se tiver treinado suficientemente?

- Se assim fosse - disse ele -, os instrumentos teriam um enorme valor!

- Deste modo - continuei -, quanto mais importante é a função dos guardas mais tempo livre exige e também mais arte e cuidado.

- Creio que sim - disse ele.

- E não são necessárias aptidões naturais para exercer esta profissão?

- Como não?





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