A República - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 81 / 290

- E o relincho dos cavalos, o mugido dos touros, o murmúrio dos rios, o fragor do mar, o trovão e todos os ruídos da mesma espécie, imitá-los-ão?

- Não - respondeu -, porque lhes é proibido ser loucos e imitar os loucos.

- Portanto, se compreendo a tua ideia - continuei -, há uma maneira de falar e contar que acompanha o verdadeiro homem honesto, quando tem alguma coisa a dizer; e há uma outra, diferente, à qual se prende e se conforma sempre o homem de natureza e educação contrárias.

- Quais são essas maneiras? - perguntou.

- O homem ponderado, segundo me parece, quando tiver de referir, numa narração, uma frase ou uma acção de um homem bom, procurará exprimir-se como se fosse esse homem e não se envergonhará de tal imitação, sobretudo se imitar qualquer aspecto de firmeza ou de sabedoria. Imitará menos vezes e menos bem o seu modelo quando este tiver falhado, sob o efeito da doença, do amor, da embriaguez ou de qualquer outro acidente. E, quando tiver de falar de um homem indigno dele, não se permitirá imitá-lo a sério, a não ser de passagem, quando esse homem tiver feito qualquer coisa de bem; e, mesmo assim, sentirá vergonha, ao mesmo tempo porque não está treinado para imitar tais homens e porque lhe repugna modelar-se e formar-se sobre o tipo de pessoas que não o valem; no fundo, despreza a imitação e não vê nela senão um divertimento.

- É natural - disse ele.

- Servir-se-á, portanto, de uma forma de narrativa semelhante àquela de que falávamos há momentos, a propósito dos versos de Homero, e o seu discurso participará simultaneamente da imitação e da narração simples, mas, num longo discurso, só haverá uma pequena parte de imitação. Não tenho razão?

- Com certeza - respondeu ele. - Tal deve ser o tipo desse orador.

- Por conseguinte - continuei -, o orador diferente, na medida em que for mais medíocre, imitará tudo e não julgará nada indigno dele, de modo que tentará a sério imitar, em presença de numerosos auditórios, o que enumerávamos há pouco: o ruído do trovão, dos ventos, do granizo, dos eixos de carros, das roldanas; os sons da trombeta, da flauta, de todos os instrumentos e também os gritos dos cães, dos carneiros e dos pássaros; todo o seu discurso será imitativo de vozes e gestos: pouca narrativa haverá nele.

- Sim - concordou -, é inevitável.

- São estas as duas espécies de narração de que queria falar.

- E, com efeito, existem.





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