A República - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 84 / 290

Deixa-nos outra harmonia para imitar o homem comprometido numa acção pacífica, não violenta mas voluntária, que procura persuadir, para obter o que pede, quer um deus mediante as suas preces, quer um homem por meio das suas lições e conselhos, ou, pelo contrário, solicitado, ensinado, persuadido, se submete a outro e, tendo por estes meios sido bem sucedido, não se enche de orgulho, antes se conduz em todas as circunstâncias com sabedoria e moderação, contente com o que lhe acontece. Estas duas harmonias, a violenta e a voluntária, que imitarão com mais beleza as intonações dos infelizes, dos felizes, dos sábios e dos valentes, estas deixa-as ficar.

- Mas - respondeu - as harmonias que me pedes para deixar não são senão as que mencionei há pouco.

- Sendo assim - repliquei -, não teremos necessidade, para os nossos cantos e as nossas melodias, de instrumentos com muitas cordas, que reproduzem todas as harmonias.

- Não me parece - disse ele.

- E, por conseguinte, não teremos de manter fabricantes de triângulos,

pectis e outros instrumentos policórdicos e poliarmónicos.

- Não, aparentemente.

- Mas como? Os fabricantes de flautas e os auletas serão admitidos por ti na cidade? Não é este instrumento que pode emitir mais sons, e os instrumentos que reproduzem todas as harmonias não são imitações da flauta?

- É evidente.

- Resta-te, portanto - prossegui -, a lira e a cítara, úteis à cidade; nos campos, os pastores terão a flauta de Pão

- Isso é - disse ele - uma consequência do nosso raciocínio.

- Aliás, meu amigo, não inovamos ao preferirmos Apelo e os instrumentos de Apelo a Mársias e aos seus instrumentos.

- Não, por Zeus! Não creio que inovemos.

- Mas, pelo cão! - exclamei. - Sem nos darmos conta disso, purificámos a cidade que ainda há pouco dizíamos mergulhada na languidez.

- E agimos sabiamente - disse ele.

- Nesse caso - continuei -, acabemos de purificá-la. Depois das harmonias, resta-nos examinar os ritmos; não devemos procurá-los variados, nem formando cadências de toda a espécie, mas distinguir os que exprimem uma vida regulada e corajosa; quando os tivermos distinguido, obrigaremos a cadência e a melodia a adequarem-se às palavras, e não as palavras à cadência e à melodia. Que ritmos são esses, compete a ti designá-los, como fizeste para as harmonias.

- Mas, por Zeus! - objectou -, não sei que dizer.





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