A República - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 88 / 290

- Portanto, nada de furioso nem de parecido com a incontinência deve aproximar-se do amor autêntico.

- Não.

- E, por conseguinte, o prazer sensual não se deve aproximar dele; não deve entrar no comércio do amante e da criança que se amam com amor verdadeiro.

- Não, por Zeus, Sócrates, não deve aproximar-se dele!

- Assim, ao que parece, tu decretarias como lei, na cidade cujo plano estamos a traçar, que o amante possa adorar, visitar, abraçar o jovem como se fora um filho, com vista a um fim nobre, se conseguir persuadi-lo; mas, quanto ao resto, deve ter com o objecto dos seus cuidados relações tais que nunca seja acusado de ir longe de mais, se não quiser incorrer na censura de homem ignorante e grosseiro.

- Tens razão - disse ele.

- Agora - continuei -, não achas, como eu, que a nossa discussão sobre a música chegou ao fim? Acabou onde devia acabar; com efeito, a música deve tender para o amor do belo.

- Sou da tua opinião - respondeu.

- Depois da música, é pela ginástica que é preciso formar os jovens.

- Sem dúvida.

- Portanto, é preciso exercitá-los a sério desde a infância e ao longo da vida. Eis a minha ideia a este respeito: examina-a comigo. Na minha opinião, não é o corpo, por muito bem constituído que seja, que, por virtude própria, torna pura a alma boa, mas, pelo contrário, a alma que, quando é boa, dá ao corpo, pela sua própria virtude, toda a perfeição de que ele é capaz. Que te parece?

- A mesma coisa que a ti o disse ele.

- Portanto, se, depois de termos cuidado suficientemente da alma, lhe confiássemos a tarefa de precisar o que diz respeito ao corpo, limitando-nos a indicar os modelos gerais, a fim de evitarmos longos discursos, não faríamos bem?

- Absolutamente.

- Já dissemos que os nossos guardas deviam evitar a embriaguez; com efeito, a um guarda, menos do que a qualquer outro, não é possível, estando embriagado, saber onde se encontra.

- Efectivamente - disse ele -, seria ridículo que um guarda tivesse necessidade de ser guardado!

- Mas que diremos da alimentação? Os nossos homens são os atletas da maior luta, não é assim? -Sim, é.

- Portanto, o regime dos atletas actuais convir-lhes-ia?

- Talvez.

- Mas - retorqui - é um regime sonolento e perigoso para a saúde. Não vês que esses atletas passam a vida a dormir e que, sempre que se afastam um pouco do regime que lhes foi prescrito, contraem graves e violentas doenças?

-Vejo.





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