Contos de Mistério - Cap. 8: O ESPELHO DE PRATA
(The silver mirror) Pág. 154 / 167

Mas uma tranquilidade de morte reinava no quarto; nenhum ruído se fazia ouvir a não ser o tiquetaque do relógio; nenhum movimento se manifestava a não ser a lenta giração daquele estranho vapor algodoado no coração do espelho. Então, enquanto continuava a observá-lo, este vapor, este fumo, esta nuvem - chamemos àquilo o que vos convier - pareceu condensar-se em dois pontos muito próximos; e vi, com mais curiosidade do que pavor, dois olhos a fitarem o quarto. A cabeça, que era a de uma mulher, a avaliar pelos cabelos, apenas se desenhava em linhas imprecisas. Só os olhos eram muito distintos, olhos negros, luminosos, emocionados, apaixonados e cheios de furor ou de horror, não poderia dizê-lo. Nunca, que me lembre, olhos arderam com uma vida tão intensa. Não se fixavam em mim, mas contemplavam o quarto. Levantei-me, passei a mão pela testa, fiz um violento esforço para me reconhecer: a obscura cabeça sumiu-se na opacidade geral; o espelho iluminou-se lentamente; e os cortinados vermelhos reapareceram.

Sem dúvida um céptico diria que eu me tinha deixado adormecer em cima dos livros e que sonhara. Na realidade, nunca estive mais acordado. Ao mesmo tempo que encarava o fenómeno, raciocinava sobre ele; dava-me conta de que se reduzia a uma impressão subjectiva, que era uma quimera engendrada por um certo estado nervoso, consecutivo à fadiga e à insónia. Mas o que lhe provocava esta forma particular? Quem é esta mulher? Que emoção terrível lhe lia nos seus admiráveis olhos pretos? Eis que eles se intrometem entre o meu trabalho e eu. Pela primeira vez, fiz menos do que a minha tarefa quotidiana. Talvez seja porque não sinto nada de anormal esta noite. Farei serão amanhã, seja o que for que aconteça.

11 de Janeiro.





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