DE PROFUNDIS
(De profundis) Enquanto os oceanos forem os elos de ligação entre si do imenso império britânico, existirá sempre nos nossos ânimos uma veia de fantasia. Porque os mares fazem sentir o seu influxo nas almas, tal como a Lua faz sentir o seu influxo nos mares, e quando os caminhos reais de um império seguem por essas rotas tão cheias de visões e de sons estranhos, com o perigo a elevar-se de todos os lados tal como uma sebe, muito torpe deve ser o ânimo daquele de que não fique nenhum rasto da sua passagem por tais lugares. E a Grã-Bretanha expande- se para fora de si mesma até paragens longínquas, porque a sua fronteira está marcada pelas três milhas de distância de todos os seus litorais e, melhor do que pelas artes da guerra, foi essa fronteira ganha com o martelo, o tear e a picareta. Na História está escrito que nem os reis nem os exércitos são capazes de cortar o caminho ao homem que, dispondo apenas de dois dinheiros na sua caixa-forte e sabedor de onde poderá convertê-los em três, se empenha em consegui-lo. E do mesmo modo que se foi ampliando a fronteira, foi-se ampliando também o espírito da Grã-Bretanha, desenvolvendo-se até todos os homens poderem observar que os métodos da ilha são continentais, do mesmo modo que os do continente são insulanos.
Mas foi preciso pagar um preço para conseguir isso, e esse preço é muito alto. Do mesmo modo que houve outrora uma fera que exigia anualmente o tributo de uma vida humana jovem, também nós temos de sacrificar dia após dia a flor e a nata da nossa juventude ao nosso Império. A máquina alcança tudo no mundo e é muito sólida, mas o único combustível capaz de fazê-la funcionar são as vidas dos britânicos. Por isso, quando nas cinzentas e velhas catedrais contemplamos as lápides de metal que servem de epitáfios nas paredes, deparamos com nomes estranhos, nomes de que nunca ouviram falar os que levantam aquelas paredes, porque onde os nossos jovens morrem, deixando só um precedente e uma lápide atrás de si, é em Peshawur, Umballah, Korti e Fort Pearson.