Contos de Mistério - Cap. 8: O ESPELHO DE PRATA
(The silver mirror) Pág. 158 / 167

Mostrei ao doutor as marcas no espelho: estamos de acordo em que se trata de brasões. Tudo o que lhe disse interessou-o fortemente e interrogou-me pormenorizadamente. Diverte-me vê-lo puxado por dois desejos contrários, a saber: que, por um lado, como cliente, eu fique livre das minhas perturbações, e que, por outro lado, como médium - porque assim me considera - eu arranque ao passado o seu mistério. Continua a pregar-me o repouso, mas não se irritou demasiado quando lhe fiz ver que não queria saber disso antes de ter verificado os meus dez derradeiros livros de registos.

15 de Janeiro. Três noites sem incidente. O meu repouso de um dia deu os seus frutos. Cá estou com três quartas partes do meu trabalho. Mas devo avançar em marchas forçadas. Os homens da lei não me largam. Precisam dos seus documentos. Vou dar-lhos de mais. Há uma centena de contas nas quais apanhei o meu homem. E ao desmascarar o astucioso e perigoso patife, extrairei alguma honra do caso. Contas fictícias, falsos balanços, dividendos retirados do capital, perdas, despesas de exploração dissimuladas, fundos de caixa delapidados... é um recorde.

18 de Janeiro. Dores de cabeça, vertigens nervosas, nevoeiros, pesos nas têmporas... todos os sinais avisadores de uma desordem que não deixou de aparecer na sua hora. A minha verdadeira contrariedade, no fundo, não foi que a visão se tivesse reproduzido, mas que desaparecesse sem estar completada.

Desta vez, porém, vi mais. O homem caído por terra aparecia tão distinto como a dama do vestido ao qual ele se agarra. É um indivíduo pequeno, de tez morena, barba negra, em ponta. Enverga uma toga de damasco flutuante e debruada a pele. Na cor do seu trajo, o vermelho domina. Que medo ele tem! Enovela-se, estremece, lança olhares inflamados por cima do ombro.





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