O espelho, na sua moldura de prata, brilhava como um teatro onde se desenrola uma peça. Agora, já não havia ali nevoeiro. O esgotamento dos meus nervos engendrara esta claridade maravilhosa. Cada feição, cada gesto assumia o relevo da vida. E pensar que eu, um contabilista, o mais positivo dos seres, sentado, esgotado, ali diante dos livros de um falido, fora o escolhido entre todos os homens para contemplar uma tal cena! Era sempre a mesma cena, com as mesmas personagens, mas o drama tinha avançado um passo. O jovem alto segurava a mulher nos seus braços. Tinham conseguido afastar o homem que se lhe agarrara ao vestido. Uma dúzia de indivíduos, barbudos e com ar feroz, rodeavam-no, atingindo-o com as suas facas. Parecia que todos o atingiam ao mesmo tempo; via-lhes as mãos erguerem-se e baixarem numa cadência perfeita. O sangue não corria das feridas: saía em repuxo; maculava o vestido vermelho; brotava de todo o lado; e aquela púrpura sobre este carmesim dava tons de ameixa demasiado madura! Os golpes redobravam, e os esguichos de sangue também! Era horrível, horrível! Arrastaram o homem, à força, até à porta. A mulher seguiu-o com os olhos, semivirada e de boca aberta.