Contos de Mistério - Cap. 4: DE PROFUNDIS
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- Para lhe falar verdade, prefiro ir até lá pelo caminho-de-ferro, porque não nos vai faltar mar para dar e vender antes de chegarmos a Colombo. Creio também que se encontra necessitadíssimo de mudar de ares. Eu, se fosse a si, retirava-me agora e ia deitar-me.

- Sim, é o que vou fazer. Esta noite durmo a bordo. Devo dizer-lhe que dormi mal nas últimas noites - acrescentou, e reparei que os seus olhos se turvavam novamente. - Levaram-me a mal tratar com teololog... quero dizer com teologias. Diabo! Com as dúvidas dos teólogos - disse fazendo um esforço desesperado. - Quer dizer com essas questões sobre por que nos criou o Todo-Poderoso e por que Ele fez com que as nossas cabeças ficassem tontas e sentíssemos pequenas dores na parte inferior do nosso ombro. É provável que esta noite durma melhor.

Pôs-se de pé e endireitou-se com um esforço visível, apoiando-se na esquina das costas da cadeira.

- Escute, Vansittart - disse-lhe com gravidade, aproximando- me dele e tocando-lhe no braço -, eu posso oferecer- -lhe cama aqui mesmo. Não se encontra em condições de sair para a rua. Está do outro lado. Certamente misturou as variedades de bebida.

- De bebida?

Ficou a olhar para mim, como se atarantado.

- Dantes aguentava-a melhor.

- Atkinson, dou-lhe a minha palavra de honra de que em dois dias não bebi um único trago. Não se trata de bebida. Não sei de que se trata. Digo isto porque me parece que atribui tudo à bebida.

Tomou-me uma das mãos com a sua, ardente, e passou-a pela testa.

- Santo Deus! - exclamei.

A sua pele dava a impressão de uma delgada tela de veludo que tivesse debaixo uma camada muito apertada de pequenos perdigotos. Era suave ao tacto em toda a parte mas se se corresse um dedo pela superfície, parecia áspera como um ralador.





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