Eneida - Cap. 6: Eneias no Mundo das Sombras Pág. 110 / 235

Seguiam pela intensa escuridão da caverna, a profetisa à frente, pelos átrios vazios do reino fantasmagórico de Plutão, como se fossem viajantes perdidos numa floresta, à noite, procurando o caminho numa trilha incerta, parco e irregularmente iluminada por um mortiço luar, filtrado através das ramagens. Mas logo se lhes abriram à frente as próprias portas do Inferno e lá viram prostrados a Tristeza e os Cuidados. As Pálidas Doenças rastejavam. Era a morada da Velhice Triste, do Medo, da Fome, da Indigência repugnante e dos pecados da Juventude. Olhavam horrorizados para os monstros disformes da Guerra, da Disputa amarga, do traiçoeiro Assassínio — o trio horrendo agachado, cabelos colados de suor e sangue. Lá estava também o Sono, doce irmão da Morte cruel.

Então, sobressaindo na sua imponência e altura, avistaram um enorme e antigo olmeiro, debaixo de cujas folhas — dizem — são tecidos os falsos sonhos. Continuaram, vendo a Discórdia, cuja cabeleira de víboras é atada com fitas ensanguentadas e muitos outros monstros e várias feras, entre os quais os centauros, com cabeça e tórax de homem e quartos traseiros de cavalo; os Cilas biformes e o gigante Briaréu, de cem braços; a Hidra de Lerna, morta por Hércules, cujas nove cabeças sibilavam horrivelmente; a Quimera, cuspindo fogo; as terríveis Górgonas, de corpo de serpente; as três Harpias, de asas pretas e cheiro nauseabundo. Ante tais visões aterradoras, o corpo do troiano tremia violentamente. Levantou a espada contra os monstros e avançou para eles, mas a companheira advertiu-o de que eram formas sem vida, fantasmas.

Chegaram assim ao caminho que leva as águas do Aqueronte. Ali o escuro rio do Mundo das Sombras gira em poderoso redemoinho, pesado de areia e de lama, lançando-se então no Cocito e no Esúgio, onde se reúnem as correntes desses dois rios. Caronte, barqueiro horrendo na sua terrível imundície, barba cerrada e branca a pender-lhe do queixo, guarda essas paragens. Os seus olhos estão cheios de fogo, a cabeleira nojenta cobre-lhe os ombros, amarrada com um nó. É ele que conduz as almas de um para o outro lado do rio, empurrando a barca com um pau e dirigindo as velas.





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