Eneida - Cap. 6: Eneias no Mundo das Sombras Pág. 118 / 235

(continuou)

— O seu corpo estende-se por muitos hectares e um abutre cruel come-lhe eternamente, com o bico adunco, o fígado, abrindo-lhe dia e noite o peito cujas fibras renascem para que o castigo se prolongue sempre e sempre. E também Ixiáo e Piritu, sobre os quais se alteia sobranceiro um penhasco gigantesco, sempre a ponto de desabar-lhes em cima. A sua vista está disposto um sumptuoso banquete preparado com magnificência real, mas ao lado senta-se uma Fúria, que, a cada movimento dos dois para alcançar as iguarias, se ergue brandindo um archote e soltando i trovões pela boca. Ali estavam encarcerados os muitos que tinham morto pai ou irmão, ou feito grande mal a um vizinho, ou que amontoaram riquezas sem fim, nada repartindo com as famílias — e eram os em maior número —, ou então era um traidor que vendera a pátria ao inimigo, alguém que roubara a noiva de outro ou forçara a filha a casar-se contra a vontade. Todos são culpados de crimes horrendos e não me indagues que castigos lhes foram inventados pelos deuses. Uns são condenados a levar ama grande pedra até ao cimo da encosta. Ao chegarem próximo do topo, da escapa-se-lhes das mãos e rola de novo para baixo e eles têm de a ir buscar, assim fazendo eternamente. Outros giram sem cessar, com os membros arados aos raios de uma roda. Entre eles está Flégias que, com outros com Banheiros infiéis, arcou fogo ao templo de Apoio em Delfos, profanando o santuário sagrado. Ele clama incessantemente, em altas vozes, da escuridão: «Tende cuidado. Aprendei a justiça e não ofendais os deuses.» Mas porque te relato todas as histórias desses pobres miseráveis? Devemos apressar-nos, pois já vejo adiante as paredes e os portões no interior dos quais devemos depositar as nossas oferendas.

Então, dirigindo-se naquela direcção, Eneias borrifou o corpo com água fresca e colocou o ramo dourado no limiar dos portões. Portanto, rendo levado à deusa o presente desejado, chegaram eles aos campos alegres, aos vergéis frescos, às arvores deliciosas e às habitações abençoadas que são os Campos Elísios. Ali, é maior a claridade do Sol e mais bonito o brilho das estrelas —astros todos próprios do lugar e diferentes dos da terra — e ali as almas afortunadas têm o rosto iluminado de alegria, divertindo-se nos jogos, nas danças ou com versas poéticos. Ali estava Orfeu, o sacerdote trácio, com as suas vestes compridas, afinando nas harmoniosas cordas da citara sete diferentes tons, ora fazendo-as soar com os dedos, ora com a palheta de marfim. Também lá viram os antigos pais da dinastia troiana, Teucro e Dárdano, fundadores da raça.





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