Eneida - Cap. 7: Os Troianos Desembarcam na Itália Pág. 132 / 235

Impregnada dos venenos de Górgona, Alecto dirigiu-se inicialmente ao Lácio, ao sumptuoso palácio do monarca e introduziu-se silenciosamente nos aposentos da rainha Amata, a quem atormentavam as noticias da chegada dos troianos e do projectado casamento da filha com Eneias. A pérfida deusa arremessou-lhe uma serpente, saída dos seus cabelos azulados, que logo se introduziu sub-repticiamente entre as vestes da rainha. Esta, sem dar por isso, era envolvida pelo hálito envenenado do asqueroso réptil, insensível ao tacto dos mortais. A horrível víbora enroscava-se em torno do pescoço de Amata, introduzia-se-lhe entre os cabelos e passeava o corpo viscoso ao longo dos membros da infeliz rainha, soprando-lhe no fundo do coração ódio e desejo de briga intensos. O seu veneno, misturando-se-lhe no sangue, inflamou-lhe os sentidos e envolveu-lhe os ossos em fogo, alcançando-lhe o cerne da alma. Derramando um rio de lágrimas ante a perspectiva de um casamento que lhe desagradava, bradou ela a Latino:

— Ó marido, tens coragem de entregar a tua filha a esses estrangeiros troianos? Não tens compaixão dela, de ti mesmo, nem te compadeces da mãe a quem o pérfido ladrão abandonará ao primeiro vento favorável, rumando para o mar alto com a minha inocente filha? Não foi assim que fez Páris na Grécia, arrebatando Helena para a cidadela de Tróia? Que fim levou a tua honrada lealdade, tu que tantas vezes e tão solri Éden te prometeste a mão de Lavinia a meu sobrinho Turno? Se as ordens de teu pai Fauno são para que a dês em casamento a genro estrangeiro, devemos considerar como tal toda a terra que não esteja directamente sob o nosso domínio. Não pertence Turno a outra tribo? Acho que é essa a interpretação que deverá ser dada às palavras do oráculo do bosque. Ele não pertence ao nosso reino, em verdade, pois os seus antepassados eram da longínqua Grécia. Reina ele agora sobre os rótulos e assim podes torná-lo como teu genro, sem prejudicares a profecia.

Percebendo que, apesar dos seus insistentes apelos, Latino não se demovera da sua intenção de casar Lavínia com Eneias, Amata, envenenada até o âmago pelo visgo da serpente, caiu em frenesi espantoso e saiu correndo em louca disparada pelas ruas da cidade. Como pião que gira, lançado pelo fino cordel das mãos dos meninos e faz longos círculos na calçada, enquanto a multidão admira espantada o brinquedo infantil, assim também a infeliz rainha percorria apressadamente os campos e as cidades vizinhas, estarrecendo tudo e todos com a sua aparência estranha.





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