Eneida - Cap. 8: Eneias em Apuros Pág. 145 / 235

Enquanto Eneias assim falava, o rei Evandro olhava-o de alto a baixo, examinando a sua figura. Por fim, respondeu-lhe:

— Como eu te recebo e reconheço cheio de alegria, ó mais valente dos troianos! Como me recordo das palavras de teu pai, da voz e do semblante do ilustre Anquises! Lembro-me de Príamo, que, em visita aos reinos de sua irmã Hesíone, passou pelos gélidos territórios da Arcádia. Era eu apenas um jovem imberbe e ficava a admirar os chefes troianos. Mas Anquises a todos excedia em estatura. O meu espírito juvenil ardia em desejos de dirigir-lhe a palavra e apertar-lhe a destra. Mostrei-lhe em passeio as muralhas do nosso reino e ele, ao retirar-se, deu-me de presente um carcás com setas lícias, uma túnica bordada a ouro e dois freios também do mesmo metal, agora em poder de meu filho Palas. Por tudo isso, não só te ofereço a mão direita como aliança, como determino que o meu reino se apreste em tudo o que puder de homens e armas para te dar auxílio. E já que estais aqui, celebrei connosco esses sacrifícios sagrados que não nos é lícito retardar mais. Estejais agora em casa e sentai-vos à nossa mesa.

Voltaram então os servos com os vinhos e iguarias que já tinham sido retirados. Evandro dispôs os guerreiros em seus lugares e fez sentar Eneias num trono forrado de peles de leão. Um jovem garboso e o sumo sacerdote trouxeram as entranhas assadas do touro, enquanto outros apresentavam as cestas, cheias até à borda, de pão de trigo e frutas, ou serviam o vinho tinto em cuias de prata.

Saciada a fome, terminado o festim sagrado, assim falou o rei Evandro:

— Não foi uma superstição vã que nos impôs estes sacrifícios solenes, estas refeições tradicionais, estes ritos perante os altares. Eles são dirigidos à augusta presença dos deuses em agradecimentos a terríveis perigos dos quais nos livramos. Olha, troiano, aquele rochedo elevado onde a encosta da montanha se vê despida de árvores e onde jazem os restos estraçalhados de uma agulha de pedra! Ali, outrora, havia uma grande caverna bem no coração da montanha, lugar inacessível aos raios do Sol, onde habitava a figura de Caco, meio homem, meio fera.





Os capítulos deste livro