Eneida - Cap. 1: A Queda de Tróia Pág. 3 / 235

Entretanto, nesse momento, aproximavam-se do grupo alguns pastares conduzindo um jovem de mãos atadas as costas, seguidas de uma multidão ululante que insultava e ameaçava o cativo que, por suas roupas e linguajar, era evidentemente grego. Apesar de haver medo nos seus olhos, encarava a plebe com altivez e desafio. Tinha-se arriscado entre os próprios inimigos para desempenhar o seu papel no ardiloso plano dos gregos.

Trazido à presença do rei Príamo, o jovem prisioneiro ergue a voz e diz:

— Ai de mim, que as terras e mares já não podem receber! Qual a sorte de um miserável que já não pode estar junto dos seus, pois são eles mesmos que lhe exigem a vida?

Condoídos com o tom lamentoso da fala, os troianos acalmaram-se um pouco e dispuseram-se a ouvi-lo mais.

— Exortemo-lo a falar. Que diga qual a sua linhagem e o que o traz aqui.

Mais encorajado, voltou-se então o grego para Príamo e falou:

— Na verdade, ó rei, confessar-te-ei todas as coisas que sei, sejam quais forem as consequências. Não nego que sou grego e se a fortuna me fez a mim, Sinão, infeliz, não me fará mentiroso e enganador. Talvez, acaso já tenhas ouvido falar de Palamedes, da família Belo. Esse jovem corajoso e inocente era o meu melhor amigo. Como se opusesse à guerra, mataram-no, sob falsa acusação de traição, e Ulisses, de fraca, foi o autor do nefasto crime. Desesperado com a morte do meu amigo, levantei altas vozes e prometi ser-lhe o vingador, se algum dia voltasse à minha pátria, Argos. Excitei desse modo grandes ódios contra mim e Ulisses começou a intrigar-me junto dos meus companheiros e a lançar-me pérfidas acusações. Não descansou enquanto, com a ajuda de Calcante... Mas porque vos conto todas estas tristes coisas, se tratais todos os gregos da mesma forma? Tomai a vossa vingança e com um só golpe ponde fim às minhas desgraças, pois mais nada posso esperar.





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