Eneida - Cap. 3: Eneias Chega a Cartago Pág. 45 / 235

Dos seus ombros pendia um arco. Os cabelos soltos ondeavam ao vento. Usava botas de couro vermelho até o meio das pernas, mas os joelhos estavam nus e as pontes da túnica flutuante tinham sido atadas com um nó. Disse-lhes ela:

— Salvé, estranhos. Vistes por acaso alguma das minhas irmãs errantes por aqui, com a aliava e a pele do lince mosqueado e talvez perseguindo algum javali espumante e correndo em grande algazarra?

Eneias, em resposta, exclamou:

— Não vimos nem ouvimos nenhuma das tuas irmãs por estas garagens, ó — como te chamarei? — donzela, ou talvez Diana, irmã de Apolo, pois não tens rosto nem voz humanos. Ou serás uma ninfa? De qualquer forma, auguramos-te felicidade e desejamos apenas que nos digas sob que céus e em que praias aportamos. Não conhecemos nem os homens nem os lugares desta região onde andamos agora e onde viemos ser batidos pelas ondas e pelo vento. Muitos carneiros imolaremos em tua honra, se nos auxiliares.

Ao que Vénus replicou:

— Não exijo sacrifícios, pois não sou aparentada com os deuses sagrados. É costume das moças de Tiro trazer aliava e usar coturnos de caça. Estes são os rei nos púnicos, o povo de Tiro, na Fenícia, e a cidade chama-se Cartago. Mais além fica a Líbia, de bárbaros guerreiros. Governa este império a rainha Dido, que viajou de Tiro, fugida do irmão. É longa a sua história de injúrias sofridas, de modo que dela só te darei um resumo. O seu marido muito amado era Siqueu, o mais rico dos fenícios, com quem se casou, jovem ainda, e sob os melhores augúrios. Mas o senhor dos reinos de Tiro era seu irmão, Pigmalião, o mais cruel de todos os homens. Morto o velho rei, nasceu a discórdia entre os dois cunhados e Pigmalião, ímpio e cego pela ambição de ouro, apanhou, certa vez, Siqueu, inocente e desprevenido junto aos altares, e matou-a com uma punhalada certeira no coração.





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