Eneida - Cap. 3: Eneias Chega a Cartago Pág. 51 / 235

Dirigíamos os nossos rumos para lá, mas uma súbita borrasca arremessou-nos sobre penedos ocultos e dispersou completamente a nossa frota. O céu, no entanto, salvou-nos da destruição e com doze navios conseguimos alcançar porto seguro, de onde, aproveitando o mar calmo, aqui chegamos sem mais demoras. Mas que raça de homens habita aqui, tão cruel que a nós, náufragos, querem repelir-nos, recusar-nos a hospitalidade e ainda ameaçam incendiar os nossos barcos? Se desprezais o género humano e as armas mortais, lembrai-vos de que os deuses sabem decidir o que é justo e injusto. Tínhamos Eneias, chamado o Bom, como rei, e ninguém o suplantava em rectidão de carácter. Mas, ai! Temo que o seu espírito esteja agora entre as sombras. No entanto, se os destinos o conservaram, se ainda respira o ar, não jaz nas entranhas cruéis da terra, e voltar para nós, segui-lo-emos sem medo. E não temas qualquer animosidade por causa do bem que fizeres, pois serás recompensada por tudo o que nos ofereceres. Permite, eu te imploro, que ponhamos as nossas embarcações a seco e que de vigas e tábuas extraídas das árvores das tuas florestas possamos reparar os danos causados pelas ondas e pelo vento.

Dido, envergonhada e de olhos baixos, respondeu-lhe:

— Tirai do coração o medo, ó troiano, e afastai as vossas aflições. A necessidade de proteger o meu novo reino, cujas muralhas ainda não estão completas, obrigou-me a tomar precauções e a dispor guardas ao largo. Quem não conhece a história de Tróia, de Eneias e seus companheiros, os incêndios e a guerra tão cruenta? Nós, cartagineses, não estamos tão afastados da civilização que ignoremos tais coisas. Quer desejais chegar à grande Hespéria ou à Sicília, eu vos farei acompanhar de escolta e vos auxiliarei com as minhas próprias riquezas. Se, por outro, lado preferirdes permanecer comigo, partilharei convosco o que tenho e esta cidade será minha e vossa e, depois que colocares nas praias os navios, troianos e tírios serão um só povo. Oxalá o próprio rei Eneias, trazido pelos mesmos ventos que vos conduziram, aqui estivesse! Mandarei palmilhar as praias da Líbia e pesquisar os lugares mais remotos, pois é possível que ele, arremessado à tosta, vagueie por entre as florestas e as cidades.





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