Eneida - Cap. 4: Eneias e Dido Pág. 62 / 235

Dido e o chefe troiano refugiaram-se na mesma gruta e nela a deusa guardiã dos votos do matrimónio uniu-os casamento.

Os céus, testemunhas dos ritos nupciais, relampejavam e as ninfas nos altos das montanhas gritavam de alegria em louco desvario. E esse seria o primeira dia da fatídica sorte que se abateria sobre a infeliz Dido.

O Boato correu célere pelo interior do paus, pelas cidades e pelas aldeias. De todos os deuses, é ele o mais rápido e o mais perverso. Pequeno, ao principio, vai-se insinuando com medo por entre as multidões que conversam, mas logo cresce e, dentro em pouco, é um gigante, de cabeça nas nuvens, que corre sobre o solo: monstro tão rápido de pés e asas que a verdade, por mais que se apresse, nunca o alcança. Cada pena do seu corpo inchado tem um olho vigilante—é digno de ser dito —, outras tantas línguas vibrantes, outras tantas bocas sussurrantes e outros ouvidos atentos. Voa através da escuridão da noite sem nunca dormir. Durante o dia, senta-se nos telhados altos e nas torres, proclamando o falso e o verdadeiro, mas apresentando-os, traiçoeiramente, como verdade.

Agora, juntando pedaços de conversas, de rumores, misturando a meã tira e a verdade, contava que Dido se juntara a Eneias, de sangue troiano e que os dois estavam a passar o inverno inteiro em ociosidade irresponsável, negligenciando os seus deveres para com súbditos e reinas. E, assim a fera divindade espalhou pelo reino e pelas regiões limítrofes o boato infame, que crescia cada vez mais à medida em que ia avançando.

Chegando aos ouvidos do rei Iarbas, essa noticia inflamou-lhe os animo e exacerbou-lhe a cólera. Filho de Anion e da raptada ninfa Garamantes levantara ele cem templos a Júpiter em cujos cem altares se guardava o fogo eterno em honra ao Pai do Céu e repetidas vezes se faziam sacrifícios de ovelhas e se colocavam grinaldas festivas às portas. E eis que larbas, rei dos getúlios, encolerizado com o boato, assim se queixou a Júpiter, elevando-lhe as mãos defronte dos altares, entre as estátuas dos deuses.





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