Eneida - Cap. 4: Eneias e Dido Pág. 65 / 235

Chamou Mnesteu, Sergesto e o valoroso Seresto e ordenou-lhes que preparassem a frota em segredo, que juntassem os companheiros na praia, que preparassem as armas, dissimulando e ocultando, no entanto, o mais possível a verdadeira causa dos preparativos, enquanto ele, Eneias, tentaria junto à rainha achar ocasião mais propícia para lhe dar a notícia. Rápida mente, as suas ordens foram executadas.

Mas Dido pressentiu o estratagema — quem pode enganar uma alma apaixonada? —, percebendo logo a intenção de Eneias. Foi o mesmo impiedoso Boato que lhe trouxe notícias da armada que se preparava para a viagem. Furiosa, vociferando de cólera e de desfeito, os olhos faiscando, as maçãs do rosto lívidas, a infeliz torcia as mãos e gemia:

—Traiçoeiro, traiçoeiro, mil vezes traiçoeiro, infiel miserável. Como pudeste esperar esconder de mim uma acção tão feia e partir calado da minha terra? Não, não tens coração. E saber que foi só por tua causa que abandonei a honra e ignorei a voz do pudor! E ainda mais, planejas navegar durante os meses do Inverno, quando os vendavais cruéis varrem os mares, tão ansioso estás por me abandonar. Porventura foges de mim? Por estas lágrimas, pela tua mão direita, pela nossa união, pelas nossas núpcias iniciadas, por alguma coisa que tenhas achado agradável em mim, eu te peço, suplico, fica! Se algum amor me tens, ou piedade existe no teu peito pelo reino que —estou certa — ruirá com a tua partida, ouve-me. Por tua causa me odeiam os povos da Líbia, os chefes selvagens da Numídia e até me são hostis os próprios tírios, da minha raça e sangue, sob o jugo opressor de meu irmão Pigmalião. Por ti, vi meu nome arrastado na lama e a minha fama, que se elevava até os astros, também. A quem me abandonas, moribunda? Acaso esperarei que venha meu irmão destruir-me as muralhas, ou que o chefe gétulo, larbas, me leve cativa? Porque deverei eu ficar aqui, à espera de sorte horrível, sei por minhas próprias mãos, posso ter melhor destino? Tivesse eu, ao menos, tido um filho da tua linhagem, antes que tão cruelmente partisses... Um pequenino Eneias que brincasse pelo palácio e cujas feições me fizessem lembrar as tuas, decerto não me julgaria tão abandonada e enganada!





Os capítulos deste livro