Eneida - Cap. 4: Eneias e Dido Pág. 68 / 235

Tudo era actividade. Remendavam-se as velas, consertavam-se os remos, prendia-se o cordame, calafetavam-se os cascos secos. Em longas colunas desciam os troianos da cidade com mantimentos, apetrechos e armas para a viagem, como formigas que, com a aproximação do Inverno, atacam o monte de trigo para o armazenar no formigueiro e movimentam-se ao longo dos campos de restolho em longas colunas escuras, cada insecto lutando com o seu grão, a vereda roda fervendo na azáfama.

Enquanto isso, Dido, que olhava do alto da cidadela todos esses preparativos, que pensamentos não tinha, que gemidos não soltava, vendo o mar, a praia, os gritos dos homens atarefados? Perverso amor, a que não obrigas tu os corações dos mortais! Pensou, lavada num rio de lágrimas e pondo o orgulho de lado, em tentar junto de Eneias, novamente, que desistisse da projectada partida, salvando-a da morte que planejara para si mesma. E disse à irmã:

— Ó Ana, vês como se apressam e correm na praia? Chegam de toda a parte, já o vento lhes enfuna as velas e os marinheiros, alegres, enfeitam as proas. Se eu pude esperar tão grande dor, também a poderei suportar. Entretanto, Ana, faz-me um favor a mim, tão desgraçada. Vai ter com Eneias—tu, a quem o pérfido costumava chamar de amiga e confiava todos os segredos mais íntimos da alma—, quando ele estiver sozinho, e fala-lhe. Eu não jurei com os gregos arruinar o povo troiano ou enviar navios para o combater. Não se recusará a conceder a uma mulher infeliz uma última graça. Não lhe peço que conserve os laços do nosso casamento, nem que abandone a ideia de ir para Itália, mas que apenas retarde um pouco a sua partida, até que tenha passado a estação tormentosa. Poderei assim vencer esta tristeza que me assoberba e aprender a sofrer resignadamente. Diz que não lhe falarei mais dos laços matrimoniais quebrados e da alcova nupcial abandonada. É só o que lhe peço e acho que não me recusará.





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