Eneida - Cap. 4: Eneias e Dido Pág. 69 / 235

A angústia afogou o coração de Eneias ao ouvir da boca de Ana tais queixumes de dor inexaurível, mas o nobre varão permanecia inflexível em seguir o destino decretado pelas Parcas. Da mesma maneira que, quando os ventos sopram daqui e dali, tentando arrancar do solo um carvalho gigante pelas raízes, se ouve o farfalhar gigantesco, abalando profundamente o tronco, mas a árvore resiste, presa firmemente aos rochedos, a copa alta apontando para o céu e as raízes afundando-se cada vez mais na terra, assim também o herói era instado e batido pelas súplicas de Ana. E embora o seu caridoso coração se confrangesse de dor, não ousava desobedecer às ordens divinas.

Então, a infeliz rainha, aterrada com o destino miserável que a esperava, resolveu suicidar-se e dirigiu-se aos altares que brilhavam à luz dos fogos de incenso para fazer os seus votos e firmar a sua resolução. Enquanto orava—coisa horrível de contar-se!—a água sagrada escureceu e o vinho derramado em honra dos deuses transformou-se em sangue. Mas nada contou do que vira a sua irmã. De um templo de mármore existente no átrio do palácio e dedicado a seu esposo, permanentemente enfeitado com panos brancos e ramagens verdes, pareceu-lhe ouvir a voz do falecido que a chamava na noite escura, enquanto a coruja solitária enchia as trevas com o seu canto fúnebre em prolongados pios lamentosos. Angustiavam-na, também, outras predições mais antigas e até mesmo a visão de Eneias a perseguia em sonhos. Pareceu-lhe vagar sozinha sempre, triste e acabrunhada, procurando e chamando os da sua raça, à semelhança de Penteu, rei de Tebas, que em transe avistava o bando de Túrias e dois sóis e cidades, muralhas, torres e cidadelas em dobro. Ou quando Orestes, filho de Agamémnon, fugia da mãe assassina, que o seguia brandindo archotes flamejantes e serpentes negras de Dira, a Fúria vingativa. Também agora Dido, alucinada, obcecada pela ideia do suicídio, decidia no fundo do coração a hora e o modo. 





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