Eneida - Cap. 4: Eneias e Dido Pág. 77 / 235

Então, enquanto pronunciava essas últimas palavras, as suas damas vêem-na calda sobre a espada desembainhada, a lamina ensopada de sangue, a mão tinta de vermelho. Elevou-se um clamor dos átrios e o boato percorreu velozmente a cidade. As casas estremeciam com as lamentações, gemidos e gritos das mulheres. A cidade inteira se levantava como que polvilhada de fermento, assaltada por inimigos ou presa das chamas.

Aflita e apavorada, a irmã precipitou-se pelo meio de todos, trémula, lacerando a rosto com as unhas, batendo com os punhos cerrados no peito, chamando pelo nome a rainha moribunda:

— Ó Dido, era esse então o sacrifício que planeavas, enganando a tua irmã com um rosto calmo e palavras traiçoeiras! Nunca pensei que esse fosse o destino da pira, dos altares e dos sacrifícios. E porquê, ó Dido, não levas a tua irmã contigo? Que esperança de felicidade me resta? Porque me negas a participação no teu destino? Essa mesma espada, na mesma hora, poderia ter-nos levado a ambas. Tu nos destruíste, pois agora eu, o Senado e todo o povo cartaginês aqui ficamos desamparados. Todos os nossos planos e todas as nossas construções são agora ruínas. Mas deixa-me banhar a tua ferida, estancar o sangue, se possível, e ouvir talvez o último suspiro da tua boca.

Assim falando, subiu os altos degraus da pira e, abraçando a irmã que expirava, acalentou-a no seio e, entre gemidos, enxugava-lhe o sangue escuro com o vestido. Dido tentou levantar-se, mas faltaram-lhe as forças e caiu novamente. A ferida no peito fazia-lhe a respiração estertorosa. Três vezes se ergueu, levantando-se e apoiando-se sobre o cotovelo, e três vezes caiu sobre o leito com os olhos amortecidos que em vão procuravam a luz do dia.





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