Eneida - Cap. 5: Os Jogos Fúnebres Pág. 99 / 235

Em seguida, Eneias mandou abater três novilhos ao deus Érice, uma ovelha à tempestade e soltar as amarras. Com ramos de oliveira atados à cabeça, o chefe troiano ia na proa alta de um dos navios. Segurando uma taça de vinho, lançava ao mar as entranhas das vítimas e vertia o rubro líquido nas ondas verdes. Surgindo pela popa, um forte vento impeliu-os rápido, afastando-os do litoral. Os remadores porfiavam nos remos ferindo o reino de Neptuno.

Vénus, porém, inquieta e cheia de cuidados pelos filhos, dirigiu-se ao deus dos oceanos com estes queixumes:

— Ó Neptuno, a grande ira de Juno, insaciável que é, obriga-me a dirigir-te esta prece. Nem o tempo nem piedade alguma abrandam a esposa de Júpiter, que não descansa nem se resigna à vontade do deus pai ou aos desígnios das Parcas, na sua perseguição implacável aos descendentes de Dárdano. Não lhe basta ter destruído a poderosa Tróia, nem ter arrebatado os seus filhos de encontro a mil e um perigos, pois persegue os próprios ossos e cinzas da cidade morta. Somente ela sabe as causas de tão grande furor. Tu mesmo, Neptuno, és testemunha de quão grandes tempestades levantou Juno no mar da Líbia, confundindo mares e céus com a ajuda do rei dos ventos, Éolo. Ela atreveu-se a isso nos teus próprios domínios! Agora, há pouco, e também com um hábil estratagema, fez as mulheres troianas incendiarem as naus e, perdida parte da esquadra, obrigou o meu bom filho Eneias a deixar muitos companheiros em terra estranha. O que te peço, pois, agora, senhor dos oceanos, é que simplesmente os deixes chegar às margens do Tibre Laurentino. A tal não se opuseram as Parcas nos destinos traçados, e não é, portanto, justo que eu te peça este favor?

Neptuno, dominador dos mares profundos, assim respondeu:

— É lícito, Vénus, que confies nos meus reinas e no meu poder, pois foi destas próprias águas e espumas que nasceste na tua radiante beleza. Só eu, e eu somente, posso dominar a fúria do mar. Embora não tenha em grande apreço os troianos, pela má acção de Páris, sempre admirei Eneias. Quando Aquiles, perseguindo ferozmente os exércitos troianos, os levara de roldão, até às suas próprias muralhas, matando tão grande número de dardanios que os rios Xanto e Simois já não davam mais vazão a tantos corpos, não salvei eu o teu querido Eneias da morte certa nas mãos terríveis do filho de Peleu, escondendo-o numa nuvem Ainda agora desejo auxiliá-lo. Portanto, afasta os teus temores. Asseguro-te que ele chegará — embora um de seus bravos companheiros pereça na viagem — aos portos de Cumas e Averno, de onde está escrito que irá aos Campos Elísios encontrar-se com o pai Anquises.





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