– Sabia que vos encaminháveis por esta parte, posto que mais longe vos supunha. Agora – acrescentou voltando-se para o arcebispo –, reverendíssimo padre2, por mercê mandai um de vossos palafréns ou mulas de corpo, em que possa cavalgar o mui honrado abade do Mosteiro de D. Muma que, velho e trôpego, mal vencera até aqui, a pé, os montes e vales, algares e serranias.
– Não terá de vir tão longe – respondeu o senhor de Cresconhe –, com o favor de Deus, espero que nós todos vamos bem depressa encontrá-lo.
O bom do aio era de opinião que sem tardança se acometesse Guimarães, e a preponderância de que gozava no conselho fazia-lhe tomar muitas vezes o seu parecer singular por uma resolução comum e definitiva.
– Por essas palavras – replicou o Lidador – vejo que a vossa intenção é fazer encurvar brevemente ao redor das altas muralhas de Guimarães as bestas e arcos, e as manganelas arrojarem contra os eirados de suas torres as pedras e as setas de fogo, se, o que não creio, o lobo cerval de Galiza deixar que o cerquem no covil em que veio aninhar-se neste nosso Portugal. Mas se quiserdes ouvir-me...
– Sabemos, sabemos o que nos ides dizer – atalhou o arcebispo de Braga D. Paio, que, émulo do velho Egas Moniz de Riba de Douro, não perdia ocasião de mostrar a sua influência, e a capacidade política e militar de que era dotado. – Com cem homens de armas e no silêncio da noite abrir-nos-eis, sem combate, senão as barreiras e portas do real castelo, ao menos o caminho dele.
Aludindo à passagem subterrânea por onde o Lidador se tinha salvado, o guerreiro prelado pronunciara com ênfase particular a palavra caminho.
– Perdoai-me, reverendíssimo padre, outro era o meu pensamento. Na escala arvorada aos muros, sob a vínea ou gato rolando para eles, nas trevas nocturnas salteando de improviso pelo subterrâneo os cavaleiros do conde de Trava, ou finalmente em recontro de lide campal, estou prestes para combater a todo o transe. Mas é em nome da paz que ainda falarei uma vez...