– Não há tempo a perder – prosseguiu o bobo começando a despir a cogula que trazia vestida. – Toma este hábito e sai, curvado e escondendo o rosto: os guardas não te conhecerão. Dirige-te ao pátio principal do castelo: junto à torre da esquerda é a pocilga do truão; a porta estará aberta: lá dentro, por detrás da minha pobre enxerga, é a entrada de um caminho subterrâneo, segue-o: irás sair bem perto do sítio aonde dizem que chegam os corredores do infante. O resto pertence-te a ti.
– Mas qual será a tua sorte quando na hora fatal os algozes, buscando a sua vítima, só te encontrarem a ti?! – disse o cavaleiro hesitando.
– Pensas tu que, se a cabeça me corresse algum risco, eu a exporia para te salvar? Oh que não! Também tenho a minha vingança e quero folgar depois de a ver satisfeita. Deixar-me-ão aqui: porque o conde de Trava não voltará esta noite e amanhã... oh, amanhã!... Gonçalo Mendes da Maia virá soltar-me... Sei certo que há-de vir.
E apontando para a escada, repetiu:
– Não há um momento a perder. O cavaleiro calou-se e carregando o capuz sobre os olhos subiu a escada, e atravessando por entre os guardas, que mal olharam para ele atentos a fechar o alçapão da masmorra, saiu da torre e encaminhou-se para o sítio que o truão lhe indicara. Os terríveis pensamentos que o agitavam produziam nele uma desusada energia.
Quando o bobo se achou só, semelhante a tigre raivoso, galgou de um pulo às grades de uma das troneiras: mirou o céu por alguns momentos, e depois, deixando-se cair em pé no pavimento, bateu as palmas bradando:
– Aragonês, aí te envio o meu vingador! Conde de Trava, não tarda Gonçalo Mendes! Um castelo por vinte açoutes! O truão é mais generoso que tu. Oh, oh!...
E desatara a rir.