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Capítulo 16: Apêndice

Página 175

No vaguear e rumorejar incerto da turba que, ora mais densa, ora mais rara, discorria pelo amplo terreiro, havia-se escoado a manhã. O sino do Mosteiro de D. Muma tocara a sexta, e o salmear dos monges, ecoando pelas abóbadas da igreja, reverberara longamente através das frestas e portadas normandas do santo edifício, e havia enfim adormecido em silêncio profundo. A este silêncio correspondia o do terreiro, que pouco e pouco se tornara deserto desde que o som da campa monástica, chamando a comunidade à oração, avisara os filhos do século de que era chegada a hora da refeição meridiana.

Não havia, porém, ainda três horas que o rossio entre o castro e o burgo voltara à sua quase solidão ordinária, quando as vagas de povo começaram de novo a invadi-lo. A infanta, rodeada das suas damas e dos seus ricos-homens, saíra do castro e, subindo ao estrado, viera assentar-se no escano da direita enquanto um cavaleiro, que mostrava no aspecto achar-se na quadra da vida em que se passa da idade de mancebo para a de homem feito, se assentava no da esquerda, e vários ricos-homens, poucos infanções, e alguns prelados, o que tudo constituía a escola ou corte, tomavam para si os tamboretes enfileirados de um e outro lado. Os prenúncios inequívocos de um espectáculo, de uma festa pública preparada para aquela tarde, iam enfim realizar-se. Era que, segundo dissemos no princípio deste capítulo, o dia que amanhecera fora o da véspera de S. João, e a véspera de S. João, por uma usança meia pagã, meia religiosa que se perdia na noite dos tempos, era já, como é ainda hoje, um dia de diurnos e nocturnos folgares.

Pelo passadiço lançado entre o postigo e o recinto vedado não tardou a entrar uma turba de cavaleiros vestidos simplesmente de briais, espécie de túnicas cingidas por uma faixa de lã, e armados só de lanças curtas, chamadas ascumas. Após eles dez ou doze cavalariços faziam entrar na liça outros tantos mastins corpulentos, cujos olhos afogueados estavam revelando a nativa ferocidade, e cujos pulos rompentes faziam vacilar os cavalariços, que a muito custo os retinham pelas trelas. No meio do murmúrio do povo, que se agitava no grande terreiro e que corria para a forte rede que demarcava a liça, ouvia-se a espaços um mugir e urrar longínquo, que parecia vir do interior do castro e que sobrelevava ao ruído da multidão.

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 175

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173