O toque principal do carácter de Abul-Hassan era a avareza: à força de ouro Egas alcançara dele muitas vezes antes de partir para a Terra Santa o ter entrada naquele lugar vedado, onde podia ver Dulce, quando ou as noites festivas ou os cuidados do governo retinham D. Teresa longe de sua filha adoptiva. A experiência que tinha do poder do ouro na alma de Abul-Hassan fez com que entrando em Guimarães o buscasse, para com o socorro dele poder levar a cabo o principal intento que ali o trouxera.
Tais haviam sido os meios de que usara o cavaleiro para se aproximar de Dulce. Por este modo era que ele se achava ali.
A recordação dessa época em que naquele mesmo sítio passara horas deliciosas aos pés da sua amante, que então inocente e pura era para ele como o anjo de Deus, que inspirava ao cavaleiro esforço e generosidade, e ao trovador os seus mais poéticos e harmónicos cantares1; essa recordação, dizemos, devorava agora como um pensamento infernal o coração do pobre mancebo. Os riscos que naquele tempo dourado correra para ouvir promessas e juramentos de amor, palavras de esperança e de felicidade, ia-os correr de novo para receber talvez o último desengano. Que lhe importava? Sem ao menos ver uma vez Dulce é que ele não podia morrer. Morrer – que, traído, lhe seria a consolação derradeira!
Egas se havia dirigido ao mesmo lugar onde poucas horas antes o conde de Trava ouvira da boca de Garcia Bermudes as desagradáveis novas da aproximação do infante. O reflexo do tanque em que as estrelas se espelhavam guiara o cavaleiro para aquele sítio. Pelas ruas tortuosas que giravam por meio dos arbustos, e por entre os canteiros das flores, Egas chegara junto ao poial escondido no caramanchão fechado.